quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Venda de imóvel com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.


Quem possui um imóvel clausulado somente como impenhorável e incomunicável pode vendê-lo, independente de autorização judicial, e as cláusulas não devem acompanhar o imóvel, porque a razão de ser delas eram a proteção dos compradores.  

Recentemente, fomos contratados a formular requerimento a Registro de Imóveis para cancelamento de cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, quando da venda do imóvel.

Os nomes das partes foram mudados para mantermos o precioso sigilo profissional, mas a fundamentação do requerimento segue abaixo:

Os senhores Tício, Caio e Cairo, acima qualificados, receberam por herança, cada um deles, a fração ideal de 1/9 (um nono) da parte inferior (térreo) do imóvel situado à Avenida de Passagem, nº 0000, em Cidade – Estado, cada uma das frações ideais de 1/9 (um nono) foi recebida com as cláusulas restritivas de impenhorabilidade e incomunicabilidade. A impenhorabilidade significa que o bem não poderá ser alcançado pelos credores através da constrição Judicial da penhora, ou seja, aquele bem não responderá em Execução Judicial pelas dívidas de seu proprietário. A incomunicabilidade impõe que aquele determinado bem não se comunicará ao cônjuge, independentemente do regime de bens da sociedade conjugal. As citadas limitações impostas no presente caso não possuem o condão de impedir a alienação dos bens, visto que para tanto o bem teria sido gravado com cláusula de inalienabilidade, o que não ocorreu.

As limitações ao direito e propriedade, também chamadas de restrições ao direito de propriedade, de que são espécies a incomunicabilidade e a impenhorabilidade, quando decorrem de ato voluntário, só podem ser constituídas em decorrência de ato de liberalidade como a doação e testamento; ambos os institutos jurídicos foram pensados no intuito de proteger aquele que receberá o bem, seja por doação, seja por disposição testamentária.

Impossível estabelecer incomunicabilidade e impenhorabilidade em atos onerosos. De maneira transversa, estas restrições retiram os bens que com elas foram gravados do alcance econômico dos credores. No sentido de restringir cada vez mais a imposição dessas cláusulas restritivas em disposições testamentárias é que o Código Civil de 2002, no artigo 1.848, estabeleceu a inovação legal segundo a “Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.”

Não constituindo óbices à alienação as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade e não sendo possível estabelecê-las, ou mesmo perpetuá-las, voluntariamente em atos de alienação onerosa, temos que se impõe reconhecer que uma vez formalizada nos termos legais a compra e venda do bem imóvel, resta “ad cautelam” cancelar a averbação (AV-0-00.000) que grava de incomunicabilidade e impenhorabilidade os registros       (R-0-00.000, R-0-00.000 e R-0-00.000)referindo-se ditos registro a três frações ideais, de 1/9 (um nono) cada fração, da parte inferior (térreo) do imóvel situado à Avenida de Passagem, nº 0000, em Cidade – Estado, outrora registrado sob matrícula 00.000, livro 2-Y-X, fls. 000, hoje registrado sob matrícula 00.000, ficha 00, livro 2 no Cartório do 0º Ofício de Notas e Registro de Imóveis, Títulos e Documentos da 0ª Circunscrição de Cidade – Estado, nos termos do artigo 250, III, da Lei de Registros Públicos, exatamente por força da alienação onerosa (compra e venda) do supracitado bem imóvel.

No exato sentido do que demonstramos acima transcrevemos precedentes judiciais, os quais na íntegra seguem em anexo o presente requerimento:

“Mostra-se oportuna, quanto ao tema, referência às razões que fundamentaram decisão do MM. Juízo da Primeira Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital, de 03.02.99, relativa ao Proc. 000.98.021177-8, publicada na Revista de Direito Imobiliário 49/332, firmes no sentido de que 'cláusulas restritivas constituem ônus que só se estabelecem em relação a terceiros, ou seja, donatários, herdeiros e legatários, pois o sistema jurídico não possibilita, não permite, vincular os próprios bens, a exceção do bem de família'” (Apelação Cível nº 81.249-0/9. Tribunal de Justiça de São Paulo, data do julgamento: 20.12.2001)

 

“Verdade que as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade não impedem a alienação do bem imóvel sobre as quais incidam. Nossos Tribunais vem entendendo que tais cláusulas não implicam em inalienabilidade, sendo, portanto, em tese, possível a alienação de bens gravados com estas cláusulas restritivas sem expressa autorização judicial.” (Apelação Cível nº 21.177-8/99. Tribunal de Justiça de São Paulo, data do julgamento: 03.02.1999)

 

“APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - IMÓVEL HAVIDO POR DOAÇÃO - CLÁUSULAS DE INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE - PEDIDO DE CANCELAMENTO DOS GRAVAMES - POSSIBILIDADE – SETENÇA REFORMADA. - Extrai-se da Escritura Pública de Doação que os imóveis foram gravados unicamente com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, nada mencionando sobre a inalienabilidade dos bens. - Se a intenção dos doadores fosse manter o bem na propriedade das donatárias, teria inserido também a cláusula de inalienabilidade no registro dos imóveis, o que não ocorreu na hipótese. – Nesse contexto, tem-se que os imóveis gravados somente com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade podem ser livremente alienados.” (TJMG - Apelação Cível nº 1.0024.09.758981-6/001(1) - 15ª Câmara Cível - Relator DES. TIBÚRCIO MARQUES - Data da Publicação: 15/09/2011).
    


Cumpre ainda juntar a resposta do Colégio Registral de Rio Grande do Sul, publicada em 24/03/2011, a uma consulta acerca do tema ora debatido: (Disponível em no site: http://www.colegioregistralrs.org.br/associado_perguntaeresposta_resposta.asp?codArea=5&codPerg=1019. Acesso em 25/04/2012).

Publicada em 24/03/2011
Prezado Associado

Respondemos seu questionamento reportando-nos à resposta ofertada pelo IRIB a questão semelhante conforme abaixo:

VENDA DE IMÓVEL COM CLÁUSULAS DE INCOMUNICABILIDADE E DE IMPENHORABILIDADE

P. Pode ser vendido um imóvel gravado com as cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade sem o cancelamento prévio dessas cláusulas?

R. A resposta é afirmativa. O proprietário de um imóvel gravado tão-somente com as cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade pode vendê-lo, sem necessidade do cancelamento prévio de tais cláusulas.

Essas duas cláusulas têm interpretação restritiva. Não importam na de inalienabilidade e, tampouco, a toda evidência, impedem a alienação ou a transmissão, a outra pessoa, do imóvel de sua propriedade.

Se o doador ou o testador (pois tais cláusulas só podem ser impostas nos atos de doação ou em testamento) quisesse impedir a alienação ou a transmissão do imóvel, teria imposto a cláusula de inalienabilidade. Se impôs apenas as cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade, evidentemente, não quis restringir a faculdade de dispor do imóvel por parte donatário.

A cláusula de incomunicabilidade consiste em impedir que o imóvel doado ou testado integre a comunhão estabelecida com o casamento. "Não repercute, evidentemente, sobre a outra cláusula mais ampla. O titular do direito de propriedade de bem incomunicável nenhuma limitação sofre no poder de disposição" (Orlando Gomes, "Sucessões", n, 139).

A cláusula de impenhorabilidade objetiva, tão-somente, impedir que o imóvel doado ou legado venha a ser tomado por dúvidas contraídas pelo donatário. Não impede porém, que ele venha a ser alienado espontaneamente.

A alienação, portanto, de imóvel gravado com a cláusula de impenhorabilidade ou com a de incomunicabilidade é livre e não depende do cancelamento prévio de qualquer delas.

 

Se o Oficial do Registro de Imóveis, porém, entender que o cancelamento deva ser feito para, futuramente, não sobrepairar qualquer dúvida a respeito de tais cláusulas, poderá, após registrar a alienação do imóvel, proceder ao cancelamento das cláusulas, mediante averbação a requerimento do novo adquirente, em face da alienação efetuada (art. 250, III, da Lei dos Registros Públicos).

Essa averbação, entretanto, é dispensável, e feita apenas "ad cautelam", para futuras operações e para esclarecimento de leigos.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Súmula 496 do Superior Tribunal de Justiça, alguns desdobramentos.


Recente súmula do Superior Tribunal de Justiça estabelece que:

Os registros de propriedade particular de imóveis situados em terrenos de marinha não são oponíveis à União.

(Súmula 496, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/08/2012, DJe 13/08/2012)

No julgamento do REsp 1.183.546-ES o Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que o registro imobiliário não é oponível em face da União para mitigar o regime jurídico dos terrenos de marinha.

Ou seja, mesmo que o particular tenha um imóvel com propriedade estabelecida em Registro de Imóveis, não poderá será considerado proprietário em oposição à União, quando se tratar de terreno de marinha.

Para aprofundar o estudo convém transcrever o Resp nº 1.183.546-ES:

RECURSO ESPECIAL Nº 1.183.546 - ES (2010/0040958-3)
RELATOR : MINISTRO MAURO CAMPBELL MARQUES
RECORRENTE : S/A A GAZETA E OUTROS
ADVOGADO : LUCIANA MARQUES DE ABREU JÚDICE E OUTRO(S)
RECORRIDO : UNIÃO
EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284 DO STF, POR ANALOGIA. BENS PÚBLICOS. TERRENO DE MARINHA. ILEGALIDADE DO PROCEDIMENTO DEMARCATÓRIO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 211 DESTA CORTE SUPERIOR. REGISTRO IMOBILIÁRIO. CARACTERIZAÇÃO DO BEM COMO TERRENO DE MARINHA. MANDADO DE SEGURANÇA. VIA ADEQUADA. QUESTÃO MERAMENTE DE DIREITO. OPONIBILIDADE EM FACE DA UNIÃO. CARACTERIZAÇÃO DO BEM COMO PROPRIEDADE PARTICULAR. IMPOSSIBILIDADE. PROPRIEDADE PÚBLICA CONSTITUCIONALMENTE ASSEGURADA (CR⁄88, ART. 20, INC. VII).

1. Não se pode conhecer da violação ao art. 535 do CPC, pois as alegações que fundamentaram a pretensa ofensa são genéricas, sem discriminação dos pontos efetivamente omissos, contraditórios ou obscuros. Incide, no caso, a Súmula n. 284 do Supremo Tribunal Federal, por analogia.

2. A controvérsia acerca da ilegalidade do procedimento demarcatório na espécie, pela desobediência do rito específico previsto no Decreto-lei n. 9.760⁄46 - vale dizer: ausência de notificação pessoal dos recorrentes - não foi objeto de análise pela instância ordinária, mesmo após a oposição de embargos de declaração, razão pela qual aplica-se, no ponto, a Súmula n. 211 desta Corte Superior.

3. No caso concreto, o mandado de segurança é via adequada para discutir a oponibilidade de registros de imóveis em face da União para fins de descaracterização do bem sobre o qual recai ônus financeiro como terreno de marinha.

4. Esta Corte Superior possui entendimento pacificado no sentido de que o registro imobiliário não é oponível em face da União para afastar o regime dos terrenos de marinha, servindo de mera presunção relativa de propriedade particular - a atrair, p. ex., o dever de notificação pessoal daqueles que constam deste título como proprietário para participarem do procedimento de demarcação da linha preamar e fixação do domínio público -, uma vez que a Constituição da República vigente (art. 20, inc. VII) atribui originariamente àquele ente federado a propriedade desses bens. Precedentes.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, não provido. Julgamento submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e à Resolução n. 8⁄2008.

Bem, há aspectos a ponderar, pensamos que a prevalência da União tem fundo Constitucional e de Supremacia da Administração, e concordamos com a mesma.

Dentre os destaques que fizemos no acórdão, é muito importante ficar atento ao entendimento do STJ, segundo o qual a presunção relativa de propriedade do particular, por força do registro imobiliário, impõem à União o dever de notificar pessoalmente este particular a participar do procedimento de demarcação da linha preamar e fixação do domínio público. Portanto, em nossa opinião a ausência de notificação ensejaria nulidade do procedimento a ser reconhecida, caso necessário, pelo Poder Judiciário.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Dispensa de certidões negativas de empresa que vendeu imóvel, quando da adjudicação compulsória de imóvel.


Quando uma empresa aliena ou onera um bem imóvel ou direito a ela relativo deve, nos termos do artigo 47, § 1º, II da Lei nº 8.212/91, apresentar Certidão Negativa de Débito-CND do INSS e da Receita Federal.

Essa certidão será inexigível quando a alienação ou oneração “envolva empresa que explore exclusivamente atividade de compra e venda de imóveis, locação, desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de imóveis destinados à venda, desde que o imóvel objeto da transação esteja contabilmente lançado no ativo circulante e não conste, nem tenha constado, do ativo permanente da empresa”, consoante art. 257, § 8º, inciso IV, do Decreto 3.048/99.

No mesmo sentido o art. 16 da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 3, de 2 de Maio de 2007, ao estabelecer que “fica dispensada a apresentação de certidão conjunta na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo, que envolva empresa que explore exclusivamente atividade de compra e venda de imóveis, locação, desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de imóveis destinados à venda, desde que o imóvel objeto da transação esteja contabilmente lançado no ativo circulante e não conste, nem tenha constado, do ativo permanente da empresa.”

O Conselho Superior da Magistratura de São Paulo dá passos mais largos e estabelece em um julgamento de recurso em procedimento de dúvida no qual o Oficial de Registro negou o registro da carta de adjudicação expedida ao final de processo judicial de adjudicação compulsória.
Importante ler com atenção o trecho do acórdão:

Apelação Cível nº 0000004-82.2011.8.26.0315

Apelante: Valdir Geraldo Saccon

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Laranjal Paulista

VOTO 20.883

(...)

 “A exigência, conquanto legal, é de impossível cumprimento pelo recorrente, porque fora de seu alcance, haja vista que não tem como obrigar a empresa vendedora a regularizar sua situação junto ao INSS ou à Receita Federal.

E, mantida a recusa do Oficial, outra saída não lhe restará a não ser ajuizar ação de usucapião, que fatalmente será julgada procedente, principalmente em razão do trânsito em julgado da r sentença que julgou procedente o pedido de adjudicação compulsória.

Ressalte-se a impossibilidade do reconhecimento da aquisição por usucapião nesta ação, como pretendido pelo apelante, em virtude da natureza administrativa deste processo de dúvida.

Ocorre que a ação de usucapião, além de movimentar desnecessariamente a máquina do Judiciário - pois serviria apenas reafirmar, ainda que por outro título, o que já foi reconhecido pela r sentença da ação de adjudicação compulsória - traria ainda mais prejuízos ao recorrente, notadamente em virtude do tempo, uma vez que, como se sabe, apenas seu ciclo citatório não raro leva anos para ser concluído.

É importante frisar, também, que a usucapião constitui modo originário de aquisição da propriedade, o que dispensaria a apresentação das certidões ora exigidas para o registro da sentença. Assim, a manutenção da recusa serviria apenas para postergar, com elevados custos ao interessado, o registro ora perseguido, que será alcançado da mesma forma ora pleiteada, isto é, sem a apresentação das certidões negativas de débito.

Diante desse quadro excepcional, mostra-se possível a aplicação da ressalva contida no art. 198, da Lei nº 6.015/73, que autoriza o juiz a afastar exigência de impossível cumprimento pelo interessado.”

(...)


Para nós decisão é irretocável, mostra um órgão comprometido com a sociedade e a solidez do sistema econômico, mostra profundo conhecimento do Direito Registral, e, sobretudo, uma preocupação em oferecer respostas céleres, sem eternizar demandas judiciais. A decisão reconhece um direito cristalino, sem precisar ficar refém de uma empresa que lhe vendeu um imóvel, mas não tem capacidade administrativa/financeira de ostentar uma certidão negativa de INSS e Receita Federal. Não é justo comprar, pagar e não conseguir registrar. Concordam?
Fiquem atentos à interpretação do artigo 198 da Lei nº 6.015/73, não se trata de um caso em que o apresentante não concorda com a exigência, mas um caso em que é impossível a ele satisfazê-la, cabendo ao juiz, diante desta impossibilidade, afastá-la. Parece-me justo, e a vocês também parece?

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Qualificação Registrária de Títulos Judiciais


Hoje vamos tocar em um assunto muito delicado no âmbito do Direito Registral, que vem a ser a qualificação dos títulos judiciais, como sentença, por exemplo. Existe um adágio que diz que decisão judicial não se discute, se cumpre. Bem, essa conclusão está longe de ser pacífica entre os estudiosos do direito registral. A título de ilustração, o Conselho Superior da Magistratura de São Paulo possui entendimento pacífico no sentido de que:

"Apesar de se tratar de título judicial, está ele sujeito à qualificação registrária. O fato de tratar-se o título de mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária, sob o estrito ângulo da regularidade formal, O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas à apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e a sua formalização instrumental" (Ap. Cível nº 31881-0/1).

 

Significa dizer que o Oficial de Registro pode verificar se o título judicial preenche as formalidades extrínsecas de registro/averbação, mas não pode verificar se a decisão está correta sob o ponto de vista da legalidade do julgamento, se o juiz julgou bem não cabe ao Oficial de Registro avaliar.

Filiamo-nos ao entendimento do Conselho Superior da Magistratura de São Paulo. Pensamos que, de fato, os títulos judiciais podem e devem passar pelo crivo da qualificação registrária, no entanto, em hipótese nenhuma, o Oficial de Registro verificará o acerto ou não da decisão judicial, sob o ponto de vista da Lei aplicável ao caso. A reforma de uma decisão judicial cabe ao órgão constitucionalmente competente para tanto, o que chamamos de juízo “ad quem”, em uma sólida aplicação do princípio do duplo grau de jurisdição. Não cumpre ao Oficial de Registro imiscuir-se no plano do mérito de uma decisão judicial.
Ao Oficial de Registro cabe verificar os aspectos extrínsecos, ou seja, se o título judicial preenche as formalidades que dizem respeito ao Direito Registral e às leis concernentes a este ramo do direito.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Direito de Superfície sobre parte específica de um imóvel.


No ordenamento jurídico brasileiro a normatização legislativa do direito de superfície ocorre no Estatuto da Cidade e no Código Civil de 2002, este elevando-o à categoria de direito real. Em linhas gerais, através do direito de superfície o proprietário de um bem imóvel destaca de seu direito, até então pleno, uma espécie de concessão, onerosa ou gratuita, para que outra pessoa, que se chamará superficiário, utilize a superfície para plantar ou construir. Trataremos de um aspecto muito importante acerca do direito de superfície: a possibilidade de instituí-lo sobre parte específica de um imóvel.
O direito de superfície é normatizado pelo Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2002, nos artigos 21 a 24 e pelo Código Civil de 2002 nos artigos 1.369 a 1.377. Para Venosa (2005, p. 454), o Estatuto da Cidade é um microssistema e como tal “vigorará sobranceiro no seu alcance de atuação, em princípio, sobre as demais leis, ainda que posteriores.” Já na opinião de Gonçalves (2009, p. 414) “com a entrada em vigor, porém, do último diploma houve a derrogação do aludido Estatuto”. Ilustramos a divergência entre renomados doutrinadores a fim de consignar que a questão não é pacífica. Em nosso modesto entendimento Código Civil e Estatuto da Cidade devem conviver sem conflito ao tratar de direito de superfície, o primeiro aplicando-se aos bens imóveis em geral e o segundo especificamente aos imóveis urbanos, consoante o que dispõe o artigo 2º, § 2º, da Lei de Introdução ao Código Civil: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.”
O direito de superfície não pode ser entendido em separado do direito de propriedade, pois ele vem a ser exatamente um desdobro do exercício pleno da propriedade. Explicando melhor: o superficiário, titular do direito de superfície, ao plantar ou construir, tem possibilidade de usar e gozar do bem imóvel, subtraindo do proprietário do imóvel tais possibilidades. Ou seja, estamos diante duas realidades jurídicas paralelas, de um lado o direito de propriedade limitado por força da instituição do direito de superfície, de outro o próprio direito de superfície que a se configura como um direito real sobre coisa alheia. 
É partindo exatamente do direito de propriedade que buscamos demonstrar que é possível instituir direito de superfície sobre uma parte específica de um determinado imóvel. “A propriedade é um direito primário ou fundamental, ao passo que os demais direitos reais nele encontram a sua essência”. (GONÇALVES, 2009, p. 221) Nessa medida, entendemos que é o próprio direito de propriedade que cria balizas ao surgimento de um direito de superfície sobre uma parte específica de um determinado imóvel. Claro que, além da vontade do proprietário, teremos que considerar aspectos de organização do solo e da função social da propriedade, antes de responder positivamente a questão central. Logo, além de o proprietário querer conceder o direito de propriedade sobre parte determinada do imóvel urbano, é necessário que seja respeitada a política urbana, no que diz respeito a tamanho mínimo de lotes, ordenação e controle do uso do solo. Se o imóvel for rural há que se obedecer aos regramentos deste âmbito, como, por exemplo, leis ambientais e obediência ao tamanho de módulo rural. Mesmo que não estejamos propriamente diante de um desdobro ou divisão do solo, cremos que essas regras devem ser obedecidas, pois existem para ordenar e garantir a consecução da função social da propriedade.   
O direito de propriedade foi inserido no Título dos Direitos e Garantias Fundamentais da Constituição Federal, ao tempo em que este direito é garantido, há o dever de que a propriedade atenda a sua função social, é exatamente o que vemos no artigo 5º, XXII e XXIII. Além disso, a função social da propriedade é alçada ao posto de princípio da ordem econômica, nos termos do inciso III do artigo 170 da Constituição Federal. Complementando, segundo o artigo 1.228 do Código Civil, “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.” E nos termos do parágrafo primeiro deste mesmo artigo “deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais”.
Fica claro que o perfil atual do direito de propriedade no ordenamento jurídico do Brasil “deixou de apresentar as características de direito absoluto e ilimitado, para se transformar em um direito de finalidade social”. (GONÇALVES, 2009, p. 224) É exatamente nesse contexto que precisamos entender que o direito de superfície existe para possibilitar uma adequação social e econômica do bem imóvel, tornando viável o desenvolvimento social e econômico no meio rural e no urbano. Ou seja, ao conceder o direito de superfície o proprietário está ajudando a sociedade a vencer o déficit habitacional, a fomentar a produção agrícola e a aquecer a economia, além de diminuir a nociva especulação imobiliária. Por isso, impedir que seja instituído o direito de superfície sobre parte específica de determinado imóvel, por razões de ordem procedimental no que diz respeito às normas de Registro Público, vai de encontro à diretriz constitucional que deseja que os imóveis exerçam sua função social. Muitas vezes ao proprietário não interessa, por diversos motivos, instituir direito de superfície sobre todo o imóvel. Portanto, tendo em vista que o Código Civil ou a Constituição Federal, ou mesmo a lei de Registro Público, lei nº 6.015/1973, não vedam a instituição sobre parte do imóvel, impedir que institua o direito de superfície sobre parte determinada do imóvel é impedir a consecução da realização da função social da propriedade.   
A ausência de previsão legislação específica autorizando, ou não, a citada instituição nos fez buscar no âmago daquele que é o direito real por excelência, a propriedade, a fundamentação de cunho constitucional e doutrinário para autorizar a instituição do direito de superfície sobre uma parte específica de determinado imóvel. Não é possível opor questões procedimentais da Lei de Registro Público, visto que a mesma não pode ser entendida como um fim em si mesmo, é o que depreendemos do artigo 1º da Lei nº 6.015/1973: “os serviços concernentes aos Registros Públicos [são] estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos”. Pelo exposto, só há uma conclusão possível, a função social da propriedade autoriza a instituição do direito de superfície sobre parte determinada do imóvel.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm> Acesso em 29 abr. 2012.
BRASIL. Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6015compilada.htm> Acesso em 29 abr. 2012.
BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm> Acesso em 29 abr. 2012.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm> Acesso em 29 abr. 2012. 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro, volume V: direito das coisas. 4. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. 626 p.

 
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direitos reais. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005. 672 p.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O locador, ao firmar um acordo com o locatário acerca de débitos decorrentes da relação locatícia, deve exigir a anuência do fiador no acordo, sob pena de ver o fiador desonerado da obrigação.


Uma das formas mais comuns de garantia em contrato de locação é a fiança. Através da fiança uma pessoa (o fiador) compromete-se a pagar a dívida de outra pessoa (o afiançado), caso esse não pague o que deve a um terceiro, que chamamos de credor. Ou nas técnicas palavras do art. 818 do Código Civil: “pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra.” Essa última parte do dispositivo implica na existência de benefício de ordem, que pode ser afastado por expressa disposição contratual.

O que nos leva a escrever sobre o assunto é que o Superior Tribunal de Justiça destacou em seu site hoje notícia segundo a qual “é possível a exclusão dos fiadores do polo passivo da execução, por conta de transação entre credor e devedor feita sem a anuência daqueles”.

É muito comum, no âmbito dos contratos de locação, principalmente quando da extinção do contrato locatício, haver transações entre locador e locatário para, por exemplo, parcelar os débitos que restaram do vínculo. Cumpre alertar, na esteira do art. 819 do Código Civil, segundo o qual a fiança “não admite interpretação extensiva.”, que no acordo de transação de débitos decorrentes da relação locatícia deve-se exigir a assinatura dos fiadores no documento de transação, sob pena de, uma vez não cumprido o acordo, quando da execução judicial, ver os fiadores conseguindo exonerar-se da obrigação que foi transacionada.

 Importante perceber que mesmo que o acordo tenha sido feito simplesmente com um desconto no valor total da dívida ou com facilitação de parcelamentos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) equipara essas situações que, nesse caso, vêm a ser de moratória e transação, para concluir que o fiador, em um caso ou em outro, precisa anuir expressamente com o acordo.
No caso noticiado pelo STJ, o acordo foi feito em sede de um processo de execução, mas a razão de decidir, que é a impossibilidade de interpretar extensivamente o contrato de fiança, pode alcançar também os acordos feitos quando da extinção do contrato de locação, nos quais há transação ou moratória no que diz respeito a débitos que decorreram da relação locatícia.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Nova posição do STJ: Possibilidade de Revisional de contrato de mútuo do Sistema Financeiro de Habitação mesmo após a extinção da relação obrigacional.

           A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.119.859-PR, mudou seu posicionamento e passou a entender que “mesmo após a adjudicação do imóvel pelo credor hipotecário em execução extrajudicial, persiste o interesse de agir do mutuário no ajuizamento da ação revisional das cláusulas do contrato de financiamento vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação (SFH)” (informativo de jurisprudência nº 503 do STJ). Com o novo posicionamento passou a conferir aos mutuários do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) tratamento igual ao tratamento dos mutuários de empréstimo comum, que consoante posição consagrada na Súmula 286 do Superior Tribunal de Justiça, podem discutir judicialmente cláusulas contratuais, mesmo depois de renegociação ou confissão de dívida, mutatis mutandis, o mesmo ocorre no contrato de mútuo do SFH, mesmo que tenha havido extinção do contrato ou quitação.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Depósito judicial para imissão provisória na posse em desapropriação por utilidade pública, segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça.


Em precedente publicado em 23 próximo passado o Superior Tribunal de Justiça decidiu que em desapropriação por utilidade pública, regida pelo decreto 3.365/1941, o ente expropriante não será imitido provisoriamente na posse se desejar fazer depósito judicial de valor apurado por corpo técnico do próprio ente público. Agindo desta forma o expropriante ofende o artigo 15, § 1º, e alíneas, do citado Decreto, visto que as alíneas não contemplam que a apuração do valor do depósito, com o fim de imissão provisória na posse, seja feita por corpo técnico do próprio expropriante.
Sobre a aplicação das alíneas que determinam o valor do depósito, entendemos que o rol estabelece uma ordem de precedência, ou seja, se o expropriante pudesse aferir o valor como determina a alínea “a”, não haveria razão para que o Magistrado não acolhesse o pedido de imissão provisória na posse. Porém, não podendo chegar ao valor do depósito pela “fórmula” das alíneas “a”, “b” e “c”, restará a medida prevista na alínea “d”. Quando o STJ, para fundamentar a decisão de que o valor do depósito deve ser aferido conforme a alínea “d”, antes afasta a possibilidade de incidência no caso concreto da alínea “c”, nos parece que este Superior Tribunal, também entende que há precedência na escolha da fórmula de cálculo do valor do depósito.
Segue a ementa do julgado:
RECURSO ESPECIAL. REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. DESAPROPRIAÇÃO. IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE. DEPÓSITO JUDICIAL. VALOR FIXADO PELO MUNICÍPIO OU VALOR CADASTRAL DO IMÓVEL (IMPOSTO TERRITORIAL URBANO OU RURAL) OU VALOR FIXADO EM PERÍCIA JUDICIAL.
- Diante do que dispõe o art. 15, § 1º, alíneas "a", "b", "c" e "d", do Decreto-Lei n. 3.365/1941, o depósito judicial do valor simplesmente apurado pelo corpo técnico do ente público, sendo inferior ao valor arbitrado por perito judicial e ao valor cadastral do imóvel, não viabiliza a imissão provisória na posse.
- O valor cadastral do imóvel, vinculado ao imposto territorial rural ou urbano, somente pode ser adotado para satisfazer o requisito do depósito judicial se tiver "sido atualizado no ano fiscal imediatamente anterior" (art. 15, § 1º, alínea "c", do Decreto-Lei n. 3.365/1941).
- Ausente a efetiva atualização ou a demonstração de que o valor cadastral do imóvel foi atualizado no ano fiscal imediatamente anterior à imissão provisória na posse, "o juiz fixará independente de avaliação, a importância do depósito, tendo em vista a época em que houver sido fixado originalmente o valor cadastral e a valorização ou desvalorização posterior do imóvel" (art. 15, § 1º, alínea "d", do Decreto-Lei n. 3.365/1941).
- Revela-se necessário, no caso em debate, para efeito de viabilizar a imissão provisória na posse, que a municipalidade deposite o valor já obtido na perícia judicial provisória, na qual se buscou alcançar o valor mais atual do imóvel objeto da apropriação.
Recurso especial improvido.
(REsp 1185583/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, Rel. p/ Acórdão Ministro CESAR ASFOR ROCHA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/06/2012, DJe 23/08/2012)
 

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Abertura de Matrícula de Imóvel e Princípio da Continuidade


“Data maxima venia”, vamos enfrentar as razões do último precedente judicial postado aqui no blog, que vem a ser o acórdão da Apelação Cível nº 2012.0001.000953-4 – Oeiras/PI, recurso julgado pela 2ª Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí. Demonstraremos que a decisão, frente aos princípios da continuidade e da legalidade, não merece ser mantida.

Trata-se recurso de Apelação em procedimento de Suscitação de Dúvida que foi extinto pelo Magistrado de 1º grau sem julgamento do mérito. A suscitação de dúvida surgiu face ao pedido de matrícula postulado pelos recorrentes (apelantes), em razão de o oficial cartorário não ter atendido ao pedido de registro de termos de aforamento de imóveis.

Nenhuma ressalva a fazer à conclusão do Acórdão acerca da aplicação do princípio “tempus regit actum”. De fato, se o termo de aforamento ostentasse os requisitos de registro, ou abertura de matrícula, conforme o Decreto nº 4.857/1939 que à época dispunha sobre a execução dos serviços concernentes aos registros públicos, ele faria jus a adentrar o fólio registral. Todavia, o que ocorre é que em uma análise detida do Decreto 4.857/1939 verificamos que os títulos, os quais se deseja ver levados ao registro, precisam respeitar o princípio da continuidade do registro, consoante demonstra a leitura dos artigos 214 e 244 do citado decreto.

É muito simples, o princípio da continuidade exige o encadeamento entre os registros de um mesmo imóvel, e isso vale tanto para o sistema anterior, quanto para o atual de unitariedade da matrícula do imóvel. Sem o respeito a este princípio o Registro de Imóveis perde sua segurança e confiabilidade. Se a matrícula de um imóvel é aberta sem a cautela de verificar o registro anterior o imóvel pode acabar tendo sua matrícula aberta atribuindo a propriedade erroneamente a uma certa pessoa, quando, na verdade, a outra pessoa caberia; pode ensejar sobreposição de imóveis; ou mesmo imóvel com duas matrículas.

Obedecendo ao Decreto nº 4.857/1939, em vigor à época em que foi deferido o termo aforamento, vemos que não há como fugir à aplicação do princípio da continuidade e para completar o Decreto, em seu artigo 247, enumera expressamente como requisito da transcrição para a transferência da propriedade imóvel, em qualquer caso, o número de ordem e o da anterior transcrição; e no artigo 252, como requisito à inscrição, no livro 4 das constituições de direitos reais reconhecidas por lei, quer entre vivos, quer mortis causa”, para valerem contra terceiros e permitirem a disponibilidade, o número de ordem e o da transcrição do imóvel. Resta patente que o encadeamento do registro com a matrícula anterior também é questão de legalidade e não só principiológica, em sentido estrito.

Frente ao exposto, fica claro que abrir matrícula de imóvel, sem que conste no título expressa referência ao registro anterior, é desprestigiar o princípio da continuidade, que, com muita razão, permeia o sistema registral anterior e o atual, pois confere ao sistema segurança e confiabilidade.

 

   

  

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Caso de desnecessidade de indicação de número de registro anterior para a abertura de matrícula de imóvel

Acórdão da 2ª Câmara Especializada Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, no julgamento da Apelação Cível nº 2012.0001.000953-4 – Oeiras/PI, estabelece que os termos de aforamento, desde que anteriores à vigência da Lei nº 6.015/73, não precisam indicar o número de registro anterior para a abertura de matrícula, na forma do art. 176, II, nº 5, da Lei nº 6.015/73. Segundo a Colenda Câmara, “a abertura de matrícula e o registro de imóveis referentes a títulos translativos lavrados na vigência da legislação anterior não se aplicam as exigências do art. 176, I e II, nº 5, da Lei nº 6.015/1973”.
Segue a ementa do julgamento:

2ª CÂMARA ESPECIALIZADA CÍVEL
Apelação Cível nº2012.0001.000953-4 – Oeiras/PI
Apelante: MANOEL DE OLIVEIRA SINIMBÚ e Outro
Advogado(ª): Adriano Dantas de Oliveira
Apelado: CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS DE OEIRAS/PI
Relator: Des. José James Gomes Pereira

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. REGISTROS PÚBLICOS. SUSCITAÇÃO DE DÚVIDA. OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS. TERMOS DE AFORAMENTOS EMITIDOS ANTERIORMENTE À EDIÇÃO DA LEI Nº 6.015/1973. DÚVIDA ACERCA DA POSSIBILIDADE OU NÃO DA ABERTURA DE MATRÍCULA PARA OS IMÓVEIS. SENTENÇA EXTINTIVA DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. APELO CONHECIDO E PROVIDO PARA DETERMINAR O REGISTRO.

1. Trata-se, na origem, de Suscitação de Dúvida, face ao pedido de matrícula postulado pelos recorrentes, em razão de o oficial cartorário não ter atendido ao pedido de registro de termos de aforamento de imóveis.

2. Os recorrentes sustentam que os imóveis em questão foram adquiridos por termo de aforamento expedidos pelo Município de Oeiras, mas ainda não foram registrados no Ofício Imobiliário e que os pedidos de registros foram indeferidos pelo titular do Cartório sob o argumento de que não seria possível proceder matrícula, haja vista que os termos de aforamentos apresentados não continham a indicação do número de registro anterior, na forma do art. 176, II, nº 5, da Lei nº 6.015/73, para a abertura de matrícula. No entanto, a vigência de abertura de matrícula para registro de imóvel foi criada pela Lei nº 6.015/1973, enquanto que os termos de aforamento foram lavrados em 27.11.1962 e 23.12.1966, sendo, portanto, anteriores à vigência da Lei nº 6.015/73, pelo que estariam regulados pela legislação da época da Constituição da enfiteuse, que não exigia abertura de matrícula para o registro de imóvel - , atraindo para si o princípio do tempus regit actum.

3. Na verdade, a Lei nº6.015/73, em seu artigo 176, I e II, nº 5, estabelece que a abertura de matrícula para imóvel reclama a preexistência de registros do imóvel.

Todavia, o art. 176, § 2º da mesma lei disciplina que: “Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior”.

Diante disso, evidentemente, a abertura de matrícula e o registro de imóveis referentes a títulos translativos lavrados na vigência da legislação anterior não se aplicam as exigências do art. 176, I e II, nº 5, da Lei nº 6.015/1973.

4. Avaliando o pedido de matrícula dos terrenos, sob a ótica das regras emanadas da Lei n 6.015/1973, é de se esclarecer que os documentos de fls. 41 e 42, inerentes aos termos de aforamentos dos imóveis, indicam o domínio útil dos recorrentes sobre os imóveis a partir dos anos de 1962 e 1966, respectivamente, de sorte que a norma vigente à época de sua lavratura se restringia à regra do Código Civil e do Decreto nº4.857/1939, sendo, em razão disso, atos jurídicos perfeito, não sendo permitido que a lei posterior, edita em 1973 retroaja para prejudicar os interesses de quem quer que seja.

5. Recurso conhecido e provido para reformar a sentença recorrida, dando pela procedência para determinar ao Cartório do 1º Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Oeiras/PI, por seu oficial, a proceder com o registro imobiliário dos imóveis dos apelante.

DECISÃO:Acordam os componentes da Egrégia 2ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça, à unanimidade, em conhecer do recurso para dar-lhe provimento e, em consequência, determinar ao Cartório do 1º Ofício de registro de Imóveis da Comarca de Oeiras/PI, por seu oficial, a proceder com o registro imobiliário dos termos de aforamento acostados ás fls. 41 e 42 destes autos, em anuência com o parecer do Ministério Público nesta instância.