domingo, 12 de maio de 2013

A POSSIBILIDADE QUE TEM O TABELIÃO DE NEGAR-SE A LAVRAR ESCRITURA PÚBLICA DE NEGÓCIO JURÍDICO EIVADO DE NULIDADE OU ANULABILIDADE E O DEVER DE ORIENTAR AS PARTES.


Ao elaborar uma escritura pública o Tabelião contempla um negócio jurídico de duas ou mais pessoas que desejam conferir um grau de formalidade ao negócio seja porque a lei exige, seja porque as partes assim o querem.

O Tabelião tem independência para, a partir de seus conhecimentos jurídicos, avaliar se é possível, sob o ponto de vista da legalidade e moralidade, lavrar uma determinada escritura pública.

Cumpre-nos na presente exposição debater a posição do Tabelião frente ao pedido de lavratura de escritura pública de negócio jurídico nulo ou anulável e em caso de assimetria entre as partes.

Quando é procurado para lavrar uma escritura pública, o Tabelião tem toda a liberdade para avaliar se aquele negócio jurídico atende aos requisitos jurídicos que as leis lhes impõem. É exatamente por isso que, diante do caso concreto, o Tabelião pode não lavrar uma escritura pública por reconhecer que há um vício que inquina a relação jurídica de nulidade absoluta.

É vedada a lavratura de escritura pública de negócio jurídico que implique em uma das previsões dos incisos do artigo 166 do Código Civil, a saber: “I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II - for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa; VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.” Ou ainda o negócio jurídico simulado, imputado como nulo pelo artigo 167 do Código Civil.

Há um debate jurídico sobre a possibilidade jurídica de lavrar escritura pública relativa a negócio jurídico eivado por uma das causas de anulação do negócio jurídico, principalmente tendo em vista a previsão do artigo 172 do Código Civil segundo o qual “negócio anulável pode ser confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro”.

Particularmente, entendemos que o negócio jurídico anulável não deve ser conteúdo de uma escritura pública, pois, embora as partes possam confirmá-lo, há uma implicação social perante terceiros, seja qual for o negócio jurídico. E é exatamente para resguardar que terceiros sejam prejudicados por negócios anuláveis que o Tabelião não deve elaborar uma escritura pública cujo conteúdo seja um negócio jurídico anulável.

Trazer para o âmbito de uma escritura pública lavrada por um Tabelião investido de fé pública reveste o ato de uma aparência de seriedade e correção perante a sociedade como um todo. Desta forma, permitir que negócios jurídicos anuláveis sejam lavrados em escritura pública prejudica a confiança que a sociedade deposita nos atos das Serventias extrajudiciais, porque a sociedade pressupõe e o sistema jurídico requer que haja uma criteriosa qualificação do negócio jurídico antes que o mesmo revista-se com a solene forma de escritura pública.

Ao ler uma escritura pública o ordenamento jurídico espera que o cidadão comum confie em seu conteúdo e não se entremeie com a desconfiança de que aquele ato pode ser anulável, dado que o Tabelião não afasta do negócio as causas de anulabilidade. A escritura pública deve consagrar um negócio jurídico eficaz e seguro.

Porém, é necessário entender também que o Tabelião nem sempre vai ter condições ou capacidade de enxergar que o negócio jurídico é anulável. As causas de anulabilidade tem em si uma carga subjetiva, que dificulta que o Tabelião perceba-as sempre, mas as percebendo, acreditamos que não deve lavrar a escritura pública. Por exemplo, percebendo que determinado negócio jurídico implica em abuso de poder, demonstração de hipossuficiência de uma das partes, assimetria nas relações, situações que muitas vezes se enquadram como erro, ignorância, dolo, coação, estado de perigo ou lesão, que vêm a ser causas de anulabilidade, deve negar-se a lavrar a escritura pública.

Nas palavras de Loureiro (2012, p. 528), o Tabelião tem “o dever de aconselhar, de emprestar seu conhecimento jurídico para tornar efetiva e válida a finalidade visada pelos contratantes”. Entretanto, não pode agir como advogado de uma das partes. Se uma das partes está em posição de assimetria em relação a outra, o Tabelião não deve defender a parte que está em desvantagem, mas deve esclarecer e orientar em que implica o negócio jurídico que está sendo firmado.

Há três princípios que devem nortear a atuação do Tabelião diante de um negócio jurídico nulo ou anulável o Princípio da Legalidade ou do controle da legalidade, Princípio da Justiça preventiva e Princípio da Segurança jurídica devem orientar a conduta do Tabelião. Ou seja, a situação pretensamente objeto da escritura pública deve ser submetida ao crivo de qualificação legal/jurídica de forma rigorosa e séria, tudo a fim de assegurar que a escritura lavrada será capaz de entregar às partes uma segurança jurídica apta a evitar lides judiciais acerca do negócio jurídico objeto da escritura pública.

O Tabelião em seu múnus deve considerar a efetivação de uma paz social. E paz social só existe quando as lides são afastadas por um negócio jurídico eficaz, claro e que atende aos anseios de ambas as partes.

Nos termos do artigo 1º da Lei nº 8.935/94, “Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos.”

Quando o Tabelião pauta sua atuação nos princípios notariais, qualquer qualificação negativa será fundamentada e bem assimilada pelas partes. Logo, não há problemas em negar-se a lavrar determinada escritura cujo objeto seja nulo, anulável ou mesmo em que a relação jurídica entre as partes fere o ordenamento jurídico. Na verdade, problemas haveria se o Tabelião fizesse sempre tudo o que as partes desejam, não estaria agindo com independência nem contribuindo com a segurança jurídica que o ordenamento espera que seja fruto de seus atos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de registro. (Lei dos cartórios). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm> Acesso em 16 fev. 2013. 

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm> Acesso em 16 fev. 2013.
 
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e prática. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2012. 716 p.

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