Ao elaborar uma escritura pública o Tabelião
contempla um negócio jurídico de duas ou mais pessoas que desejam conferir um
grau de formalidade ao negócio seja porque a lei exige, seja porque as partes
assim o querem.
O Tabelião tem independência para, a partir
de seus conhecimentos jurídicos, avaliar se é possível, sob o ponto de vista da
legalidade e moralidade, lavrar uma determinada escritura pública.
Cumpre-nos na presente exposição debater a posição
do Tabelião frente ao pedido de lavratura de escritura pública de negócio
jurídico nulo ou anulável e em caso de assimetria entre as partes.
Quando é procurado para lavrar uma escritura
pública, o Tabelião tem toda a liberdade para avaliar se aquele negócio
jurídico atende aos requisitos jurídicos que as leis lhes impõem. É exatamente
por isso que, diante do caso concreto, o Tabelião pode não lavrar uma escritura
pública por reconhecer que há um vício que inquina a relação jurídica de
nulidade absoluta.
É vedada a lavratura de escritura pública de
negócio jurídico que implique em uma das previsões dos incisos do artigo 166 do
Código Civil, a saber: “I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II -
for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III - o motivo
determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV - não revestir a forma
prescrita em lei; V - for preterida alguma solenidade que a lei considere
essencial para a sua validade; VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
VII - a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem
cominar sanção.” Ou ainda o negócio jurídico simulado, imputado como nulo pelo
artigo 167 do Código Civil.
Há um debate jurídico sobre a possibilidade
jurídica de lavrar escritura pública relativa a negócio jurídico eivado por uma
das causas de anulação do negócio jurídico, principalmente tendo em vista a previsão
do artigo 172 do Código Civil segundo o qual “negócio anulável pode ser
confirmado pelas partes, salvo direito de terceiro”.
Particularmente, entendemos que o negócio
jurídico anulável não deve ser conteúdo de uma escritura pública, pois, embora
as partes possam confirmá-lo, há uma implicação social perante terceiros, seja
qual for o negócio jurídico. E é exatamente para resguardar que terceiros sejam
prejudicados por negócios anuláveis que o Tabelião não deve elaborar uma
escritura pública cujo conteúdo seja um negócio jurídico anulável.
Trazer para o âmbito de uma escritura pública
lavrada por um Tabelião investido de fé pública reveste o ato de uma aparência
de seriedade e correção perante a sociedade como um todo. Desta forma, permitir
que negócios jurídicos anuláveis sejam lavrados em escritura pública prejudica
a confiança que a sociedade deposita nos atos das Serventias extrajudiciais,
porque a sociedade pressupõe e o sistema jurídico requer que haja uma
criteriosa qualificação do negócio jurídico antes que o mesmo revista-se com a
solene forma de escritura pública.
Ao ler uma escritura pública o ordenamento
jurídico espera que o cidadão comum confie em seu conteúdo e não se entremeie
com a desconfiança de que aquele ato pode ser anulável, dado que o Tabelião não
afasta do negócio as causas de anulabilidade. A escritura pública deve
consagrar um negócio jurídico eficaz e seguro.
Porém, é necessário entender também que o
Tabelião nem sempre vai ter condições ou capacidade de enxergar que o negócio
jurídico é anulável. As causas de anulabilidade tem em si uma carga subjetiva, que
dificulta que o Tabelião perceba-as sempre, mas as percebendo, acreditamos que
não deve lavrar a escritura pública. Por exemplo, percebendo que determinado
negócio jurídico implica em abuso de poder, demonstração de hipossuficiência de
uma das partes, assimetria nas relações, situações que muitas vezes se enquadram
como erro, ignorância, dolo, coação, estado de perigo ou lesão, que vêm a ser
causas de anulabilidade, deve negar-se a lavrar a escritura pública.
Nas palavras de Loureiro (2012, p. 528), o
Tabelião tem “o dever de aconselhar, de emprestar seu conhecimento jurídico
para tornar efetiva e válida a finalidade visada pelos contratantes”.
Entretanto, não pode agir como advogado de uma das partes. Se uma das partes
está em posição de assimetria em relação a outra, o Tabelião não deve defender
a parte que está em desvantagem, mas deve esclarecer e orientar em que implica
o negócio jurídico que está sendo firmado.
Há três princípios que devem nortear a
atuação do Tabelião diante de um negócio jurídico nulo ou anulável o Princípio
da Legalidade ou do controle da legalidade, Princípio da Justiça preventiva e
Princípio da Segurança jurídica devem orientar a conduta do Tabelião. Ou seja,
a situação pretensamente objeto da escritura pública deve ser submetida ao
crivo de qualificação legal/jurídica de forma rigorosa e séria, tudo a fim de
assegurar que a escritura lavrada será capaz de entregar às partes uma
segurança jurídica apta a evitar lides judiciais acerca do negócio jurídico
objeto da escritura pública.
O Tabelião em seu múnus deve considerar a
efetivação de uma paz social. E paz social só existe quando as lides são
afastadas por um negócio jurídico eficaz, claro e que atende aos anseios de
ambas as partes.
Nos termos do artigo 1º da Lei nº 8.935/94,
“Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e
administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e
eficácia dos atos jurídicos.”
Quando o Tabelião pauta sua atuação nos
princípios notariais, qualquer qualificação negativa será fundamentada e bem
assimilada pelas partes. Logo, não há problemas em negar-se a lavrar
determinada escritura cujo objeto seja nulo, anulável ou mesmo em que a relação
jurídica entre as partes fere o ordenamento jurídico. Na verdade, problemas
haveria se o Tabelião fizesse sempre tudo o que as partes desejam, não estaria
agindo com independência nem contribuindo com a segurança jurídica que o
ordenamento espera que seja fruto de seus atos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 8.935, de 18 de novembro de 1994. Regulamenta o
art. 236 da Constituição Federal, dispondo sobre serviços notariais e de
registro. (Lei dos cartórios). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8935.htm>
Acesso em 16 fev. 2013.
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o
Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>
Acesso em 16 fev. 2013.
LOUREIRO,
Luiz Guilherme. Registros Públicos:
Teoria e prática. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2012. 716 p.
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