PARTE 3/3
Segue pertinente
e interessante precedente do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA em caso similar em que o viúvo-meeiro
gravou com hipoteca bem que estava sendo inventariado:
CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE
INEXISTENTE. JULGAMENTO DA APELAÇÃO. DIVERGÊNCIA EFETIVA ENTRE MAIORIA E MINORIA.
EMBARGOS INFRINGENTES. CABIMENTO. MANDATO. IRREGULARIDADE SANADA. CPC, ARTS. 13
E 37. EXEGESE. SÚMULA N. 7-STJ. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO POR ESPÓLIO.
TOMADA DE EMPRÉSTIMO E CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA POR VIÚVO MEEIRO EM RELAÇÃO A
IMÓVEL AINDA NÃO PARTILHADO. INVENTÁRIO EM CURSO HÁ VÁRIOS ANOS. DECISÃO QUE
ADMITE A HIGIDEZ DO ÔNUS REAL E RESPECTIVA PENHORA SOBRE A PARTE DO BEM QUE
COUBER AO EXECUTADO. IMPOSSIBILIDADE. INDIVISIBILIDADE DO PATRIMÔNIO E HERANÇA.
DOMÍNIO TRANSMITIDO DE IMEDIATO COM A ABERTURA DA SUCESSÃO.
I. Não se identifica nulidade em acórdão que
enfrenta suficientemente as questões essenciais ao deslinde da controvérsia.
II. Possível nas instâncias ordinárias a
convalidação do mandato, ao teor dos
arts. 13 e 37 do CPC, com a regularização dos atos
já praticados, necessária, por outro lado, a prévia oportunização para tanto
pelo órgão julgador.
Precedentes do STJ.
III. "A pretensão de simples reexame de prova
não enseja recurso especial"
(Súmula n. 7-STJ).
IV. Aberta a sucessão, o domínio é transmitido de
imediato aos herdeiros e os direitos são indivisíveis, até a partilha, de sorte
que é vedado ao viúvo-meeiro, da mesma forma que em vida não poderia fazê-lo
sem a outorga uxória, gravar imóvel objeto do inventário já aberto com ônus
hipotecário, resultando, ao depois, na execução e penhora do bem ainda comum a
todos, posto que o ato é viciado em sua origem.
V. Recurso especial conhecido parcialmente e
provido, com a procedência dos embargos de terceiro opostos pelo espólio. (STJ.
RECURSO ESPECIAL Nº 304.800 - MS
(2001/0020669-7). Relator Ministro Aldir Passarinho Junior)
Importante as razões de decidir, do precedente acima, explicitada
no voto do Relator, que seguem:
“De efeito, a Fazenda "Ar
Novo" achava-se registrada em nome do viúvo meeiro, muito embora quando da
constituição da hipoteca em garantia de empréstimo assumido junto ao Banco do
Brasil S.A, em 1987, sua esposa, Ubaldina Garcia Azuaga, com quem era casado
pelo regime da comunhão de bens, já fosse falecida desde 1978, e seu inventário
aberto em 1983.
Ora, dispõe o Código Civil revogado, que:
"Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher,
qualquer que seja o regime de bens:
I – Alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis, ou
direitos reais sobre imóveis alheios (arts. 178, § 9º, n. I, 'a', 237, 276 e
293).
...............................................
Art. 57. O patrimônio e a herança
constituem coisas universais, ou
universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos
materiais.
..................................................
Art. 44. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:
I – O direito à sucessão aberta.
................................................
Art. 53. São indivisíveis:
II – Os (bens) que, embora naturalmente divisíveis,
se consideram indivisíveis por lei, ou vontade das partes.
....................................................
Art. 82. A validade do ato jurídico
requer agente capaz (artr. 145, n. I), objeto lícito e forma prescrita ou não
defesa em lei (arts. 129, 130 e 145).
....................................................
Art. 1.572. Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança
transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.
....................................................
Art. 1.580. Sendo chamadas
simultaneamente, a uma herança, duas ou mais pessoas, será indivisível o seu
direito, quanto à posse e ao domínio, até se ultimar a partilha. Parágrafo
único. Qualquer dos co-herdeiros pode reclamar a universalidade da herança ao
terceiro, que indevidamente a possua, não podendo este opor-lhe, em exceção, o
caráter parcial do seu direito nos bens da sucessão".
Em tais condições, da forma como
decidida a questão pela Corte estadual, há violação ao direito do espólio. É
que, como se depreende do aresto fustigado, embora tenha restado afastada a
hipoteca, execução e penhora sobre tudo o que não for atribuído, do imóvel, em
partilha, ao viúvo meeiro, ou seja, o ônus real e a constrição valem apenas
sobre a parte que ele tiver sobre a fazenda, ainda assim há vício originário,
qual seja, a da impossibilidade jurídica de o cônjuge, já, então, viúvo-meeiro,
gravar com hipoteca bem comum que integra direito hereditário indivisível.
No julgamento do Resp n. 54.519/SP, embora ainda decidindo a
questão sobre a legitimidade dos herdeiros, assim dispôs esta 4ª Turma:
"CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO.
INSUFICIÊNCIA. INVENTÁRIO. VENDA DE AÇÕES AO PORTADOR PELA VIÚVA MEEIRA DO
TITULAR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE E REINTEGRAÇÃO DE POSSE MOVIDA POR
CO-HERDEIROS DO ESPÓLIO.
UNIVERSALIDADE DOS BENS. LEGITIMIDADE
ATIVA RECONHECIDA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO CONTRA TERCEIROS COMPRADORES. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA
EMPRESA. SÚMULA N. 211-STJ. CC, ARTS. 57 E 1.580, PARÁGRAFO ÚNICO. CPC, ART.
992, I.
I. Incidência da Súmula n. 211 do STJ em relação a normas legais
suscitadas no especial, mas não prequestionadas.
II. Os herdeiros têm legitimidade ativa
para propor ação declaratória de nulidade de ato processual praticado pela
inventariante e viúva meeira, em detrimento dos seus direitos no espólio de seu
pai, consubstanciado pela venda, a terceiros, de ações ao portador de sociedade
comercial a todos pertencente, ante o princípio da universalidade que rege os
bens deixados pelo de cujus, até a sua partilha.
III. Ilegitimidade passiva, de outro
lado, da sociedade anônima cujas ações foram negociadas, por não haver
praticado qualquer ato atinente à controvérsia jurídica sub judice .
IV. A venda de bens sonegados a
terceiros e o direito às perdas e danos dos lesados em relação ao
inventariante, prevista no art. 1.783 do Código Civil anterior, não exclui a
pretensão de nulificação da venda a terceiros e a recomposição do patrimônio do
espólio, se esta foi a via legal escolhida pelos herdeiros.
V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente
provido."
(4ª Turma, REsp n. 54.519/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior,
unânime, DJU de 22.08.2005)
Assim, em síntese: se em vida o marido não
poderia dar em hipoteca imóvel do casal sem a outorga uxória (art. 235, I); se
a sucessão aberta transmite de logo a posse e o domínio aos herdeiros (art.
1.572), e se tais direitos são indivisíveis, o que, tanto por conseqüência,
como por expressa previsão legal, torna o bem, nessas circunstâncias,
indivisível (arts. 53, II, 57 e 1.580 do CC), tem-se que ab initio,
gravado o patrimônio inventariado viciadamente, é direito do espólio impugnar a
execução, exitosamente, verificada, mais, a contrariedade à regra processual do
art. 992, caput e inciso I, que estabelece:
"Art. 992. Incumbe ainda ao
inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz:
I – alienar bens de qualquer espécie".
A lei fala em alienar, mas, evidentemente, que aí resulta a
hipoteca executada.
Na verdade, houve descuido do banco
recorrente quando da contratação do mútuo, como bem ressaltou a r. sentença de
primeiro grau, proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Sidrolândia,
MS, Dr. Ricardo Galbiati (fls. 54/55):
"Inaceitáveis, por completo, as teses de defesa levantadas
pelo embargado, que não pode sequer invocar sua boa fé. No momento do contrato
o devedor declinou seu estado civil de viúvo, em oposição ao constante da
matrícula do imóvel, que o dava como casado.
Deveria ter agido o credor com maior
cautela, exigindo informação segura a respeito do estado do inventário e,
portanto, arcará com as conseqüências de seu descaso."
É de rigor
acrescentar que a nulidade da cláusula do contrato que instituiu as hipotecas não
implica a nulidade do contrato de empréstimo, neste sentido a disposição do
artigo 153 do Código Civil de 1916:
Art. 153. A nulidade parcial de um ato não o
prejudicará na parte válida, se esta for separável. A nulidade da obrigação
principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da
obrigação principal.
(grifos acrescidos)
Hipoteca
tem caráter acessório em relação a um negócio jurídico principal, ela existe a
fim de garantir a eficácia de uma obrigação de pagar. Deste caráter decorre que
a nulidade do acessório não atinge o negócio jurídico principal.
A ausência
de Alvará Judicial autorizando a hipoteca não é capaz de tornar nulo o
negócio jurídico como um todo, mas a cláusula que estabeleceu a hipoteca é nula
de pleno direito.
Ou seja,
não estamos afirmando a nulidade do contrato de repasse de recursos externos
como um todo, mas somente a nulidade da cláusula deste, a qual instituiu as
hipotecas, pontualmente, pela inexistência de Alvará Judicial.
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