sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

DA NULIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL QUE CONSTITUIU AS HIPOTECAS, NO CASO EM QUE OS BENS QUE COMPÕEM O ESPÓLIO SÃO HIPOTECADOS SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.


PARTE 3/3  

Segue pertinente e interessante precedente do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA em caso similar em que o viúvo-meeiro gravou com hipoteca bem que estava sendo inventariado:

CIVIL E PROCESSUAL. ACÓRDÃO ESTADUAL. NULIDADE INEXISTENTE. JULGAMENTO DA APELAÇÃO. DIVERGÊNCIA EFETIVA ENTRE MAIORIA E MINORIA. EMBARGOS INFRINGENTES. CABIMENTO. MANDATO. IRREGULARIDADE SANADA. CPC, ARTS. 13 E 37. EXEGESE. SÚMULA N. 7-STJ. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO POR ESPÓLIO. TOMADA DE EMPRÉSTIMO E CONSTITUIÇÃO DE HIPOTECA POR VIÚVO MEEIRO EM RELAÇÃO A IMÓVEL AINDA NÃO PARTILHADO. INVENTÁRIO EM CURSO HÁ VÁRIOS ANOS. DECISÃO QUE ADMITE A HIGIDEZ DO ÔNUS REAL E RESPECTIVA PENHORA SOBRE A PARTE DO BEM QUE COUBER AO EXECUTADO. IMPOSSIBILIDADE. INDIVISIBILIDADE DO PATRIMÔNIO E HERANÇA. DOMÍNIO TRANSMITIDO DE IMEDIATO COM A ABERTURA DA SUCESSÃO.

I. Não se identifica nulidade em acórdão que enfrenta suficientemente as questões essenciais ao deslinde da controvérsia.

II. Possível nas instâncias ordinárias a convalidação do mandato, ao teor dos

arts. 13 e 37 do CPC, com a regularização dos atos já praticados, necessária, por outro lado, a prévia oportunização para tanto pelo órgão julgador.

Precedentes do STJ.

III. "A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial"

(Súmula n. 7-STJ).

IV. Aberta a sucessão, o domínio é transmitido de imediato aos herdeiros e os direitos são indivisíveis, até a partilha, de sorte que é vedado ao viúvo-meeiro, da mesma forma que em vida não poderia fazê-lo sem a outorga uxória, gravar imóvel objeto do inventário já aberto com ônus hipotecário, resultando, ao depois, na execução e penhora do bem ainda comum a todos, posto que o ato é viciado em sua origem.

V. Recurso especial conhecido parcialmente e provido, com a procedência dos embargos de terceiro opostos pelo espólio. (STJ. RECURSO ESPECIAL Nº 304.800 - MS (2001/0020669-7). Relator Ministro Aldir Passarinho Junior)

 

Importante as razões de decidir, do precedente acima, explicitada no voto do Relator, que seguem:

“De efeito, a Fazenda "Ar Novo" achava-se registrada em nome do viúvo meeiro, muito embora quando da constituição da hipoteca em garantia de empréstimo assumido junto ao Banco do Brasil S.A, em 1987, sua esposa, Ubaldina Garcia Azuaga, com quem era casado pelo regime da comunhão de bens, já fosse falecida desde 1978, e seu inventário aberto em 1983.

Ora, dispõe o Código Civil revogado, que:

"Art. 235. O marido não pode, sem consentimento da mulher, qualquer que seja o regime de bens:

I – Alienar, hipotecar ou gravar de ônus real os bens imóveis, ou direitos reais sobre imóveis alheios (arts. 178, § 9º, n. I, 'a', 237, 276 e 293).

...............................................

Art. 57. O patrimônio e a herança constituem coisas universais, ou  universalidades, e como tais subsistem, embora não constem de objetos materiais.

..................................................

Art. 44. Consideram-se imóveis para os efeitos legais:

I – O direito à sucessão aberta.

................................................

Art. 53. São indivisíveis:

II – Os (bens) que, embora naturalmente divisíveis, se consideram indivisíveis por lei, ou vontade das partes.

....................................................

Art. 82. A validade do ato jurídico requer agente capaz (artr. 145, n. I), objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (arts. 129, 130 e 145).

....................................................

Art. 1.572. Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

....................................................

Art. 1.580. Sendo chamadas simultaneamente, a uma herança, duas ou mais pessoas, será indivisível o seu direito, quanto à posse e ao domínio, até se ultimar a partilha. Parágrafo único. Qualquer dos co-herdeiros pode reclamar a universalidade da herança ao terceiro, que indevidamente a possua, não podendo este opor-lhe, em exceção, o caráter parcial do seu direito nos bens da sucessão".

Em tais condições, da forma como decidida a questão pela Corte estadual, há violação ao direito do espólio. É que, como se depreende do aresto fustigado, embora tenha restado afastada a hipoteca, execução e penhora sobre tudo o que não for atribuído, do imóvel, em partilha, ao viúvo meeiro, ou seja, o ônus real e a constrição valem apenas sobre a parte que ele tiver sobre a fazenda, ainda assim há vício originário, qual seja, a da impossibilidade jurídica de o cônjuge, já, então, viúvo-meeiro, gravar com hipoteca bem comum que integra direito hereditário indivisível.

No julgamento do Resp n. 54.519/SP, embora ainda decidindo a questão sobre a legitimidade dos herdeiros, assim dispôs esta 4ª Turma:

"CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO. INSUFICIÊNCIA. INVENTÁRIO. VENDA DE AÇÕES AO PORTADOR PELA VIÚVA MEEIRA DO TITULAR. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE E REINTEGRAÇÃO DE POSSE MOVIDA POR CO-HERDEIROS DO ESPÓLIO.

UNIVERSALIDADE DOS BENS. LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DA AÇÃO CONTRA TERCEIROS  COMPRADORES. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA EMPRESA. SÚMULA N. 211-STJ. CC, ARTS. 57 E 1.580, PARÁGRAFO ÚNICO. CPC, ART. 992, I.

I. Incidência da Súmula n. 211 do STJ em relação a normas legais suscitadas no especial, mas não prequestionadas.

II. Os herdeiros têm legitimidade ativa para propor ação declaratória de nulidade de ato processual praticado pela inventariante e viúva meeira, em detrimento dos seus direitos no espólio de seu pai, consubstanciado pela venda, a terceiros, de ações ao portador de sociedade comercial a todos pertencente, ante o princípio da universalidade que rege os bens deixados pelo de cujus, até a sua partilha.

III. Ilegitimidade passiva, de outro lado, da sociedade anônima cujas ações foram negociadas, por não haver praticado qualquer ato atinente à controvérsia jurídica sub judice .

IV. A venda de bens sonegados a terceiros e o direito às perdas e danos dos lesados em relação ao inventariante, prevista no art. 1.783 do Código Civil anterior, não exclui a pretensão de nulificação da venda a terceiros e a recomposição do patrimônio do espólio, se esta foi a via legal escolhida pelos herdeiros.

V. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido."

(4ª Turma, REsp n. 54.519/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 22.08.2005)

Assim, em síntese: se em vida o marido não poderia dar em hipoteca imóvel do casal sem a outorga uxória (art. 235, I); se a sucessão aberta transmite de logo a posse e o domínio aos herdeiros (art. 1.572), e se tais direitos são indivisíveis, o que, tanto por conseqüência, como por expressa previsão legal, torna o bem, nessas circunstâncias, indivisível (arts. 53, II, 57 e 1.580 do CC), tem-se que ab initio, gravado o patrimônio inventariado viciadamente, é direito do espólio impugnar a execução, exitosamente, verificada, mais, a contrariedade à regra processual do art. 992, caput e inciso I, que estabelece:

"Art. 992. Incumbe ainda ao inventariante, ouvidos os interessados e com autorização do juiz:

I – alienar bens de qualquer espécie".

A lei fala em alienar, mas, evidentemente, que aí resulta a hipoteca executada.

Na verdade, houve descuido do banco recorrente quando da contratação do mútuo, como bem ressaltou a r. sentença de primeiro grau, proferida pelo MM. Juiz de Direito da Comarca de Sidrolândia, MS, Dr. Ricardo Galbiati (fls. 54/55):

"Inaceitáveis, por completo, as teses de defesa levantadas pelo embargado, que não pode sequer invocar sua boa fé. No momento do contrato o devedor declinou seu estado civil de viúvo, em oposição ao constante da matrícula do imóvel, que o dava como casado.

Deveria ter agido o credor com maior cautela, exigindo informação segura a respeito do estado do inventário e, portanto, arcará com as conseqüências de seu descaso."

 

É de rigor acrescentar que a nulidade da cláusula do contrato que instituiu as hipotecas não implica a nulidade do contrato de empréstimo, neste sentido a disposição do artigo 153 do Código Civil de 1916:

Art. 153. A nulidade parcial de um ato não o prejudicará na parte válida, se esta for separável. A nulidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal.

(grifos acrescidos)

 

Hipoteca tem caráter acessório em relação a um negócio jurídico principal, ela existe a fim de garantir a eficácia de uma obrigação de pagar. Deste caráter decorre que a nulidade do acessório não atinge o negócio jurídico principal.

A ausência de Alvará Judicial autorizando a hipoteca não é capaz de tornar nulo o negócio jurídico como um todo, mas a cláusula que estabeleceu a hipoteca é nula de pleno direito.

Ou seja, não estamos afirmando a nulidade do contrato de repasse de recursos externos como um todo, mas somente a nulidade da cláusula deste, a qual instituiu as hipotecas, pontualmente, pela inexistência de Alvará Judicial.

 

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