segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

PROCURAÇÃO EM CAUSA PRÓPRIA E PROCURAÇÃO PARA FAZER NEGÓCIO CONSIGO MESMO, CARACTERÍSTICAS E ELEMENTOS ESSENCIAIS.


Trataremos, hoje, de duas espécies de procuração: a em causa própria e a para celebrar negócio consigo mesmo. Ambas encontram previsão em nosso ordenamento jurídico, e servem, em grande medida, para dinamizar o contexto do fluxo econômico de bens através de negócios jurídicos. Embora não sejam do conhecimento vulgar, são úteis em uma série de situações do âmbito da circulação de riquezas. As citadas procurações aplicam-se a situações particulares, a outorga de uma ou outra depende do caso concreto e daquilo a que a vontade das partes se dirige. Ao esclarecermos as características e os elementos essenciais de cada uma das procurações, que aqui nos proporemos a mostrar, ficará mais fácil ao leitor identificar a diferença entre elas e ajudará a aplicá-las a situações concretas com segurança.

Em nossa sociedade atual, economicamente muito complexa, em que centenas de negócios jurídicos cercam-nos, por vezes haverá impossibilidade de uma das partes comparecerem pessoalmente às tratativas ou mesmo à celebração de todos os negócios jurídicos do qual será parte ao longo de sua vida. Neste contexto sobressalta a importância do instituto da representação através de mandatários. O artigo 653 do Código Civil nos dá um conceito juridicamente preciso: Opera-se o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.” “Destarte, a procuração é o escrito que contém os poderes outorgados pelo mandante ao mandatário” (LOUREIRO, 2012, p. 545) Enumeramos como principais características do contrato de mandato: o sinalagma e o intuito personae; e acrescentamos que ele pode ser oneroso ou gratuito. Quanto à forma, o Código Civil em seu artigo 657 dispõe que “a outorga de mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado.” Desta forma, Loureiro (2012, p. 547) conclui que, se o ato-fim deve observar a forma de escritura pública, haverá obrigatoriedade de que a procuração seja pública. O contrato de mandato precisa cumprir os requisitos gerais de validade: agente capaz e consentimento; forma; objeto lícito, possível, determinado ou determinável. Essas são as linhas gerais do contrato de mandato, não desceremos às minúcias dada a necessidade de aprofundarmos aqui o estudo de duas espécies de procuração.

A procuração para celebrar contrato consigo mesmo não era acolhida pelo Código Civil de 1916, mas o Código Civil de 2002 prevê expressamente essa espécie de procuração no artigo 117 segundo o qual “salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo.”  Ou seja, desde que a lei permita ou o representado consinta, o representante poderá cumprir as disposições do mandato celebrando contrato consigo mesmo. Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2006, p. 341), mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil de 2002, o autocontrato já era aceito pela jurisprudência nacional. A característica própria desta espécie de procuração é o fato de que o mandatário, seguindo fielmente as instruções do mandante para a realização do negócio jurídico, poderá figurar no outro polo do negócio jurídico. Nas palavras de Loureiro (2012, p. 549), a anterior vedação ao contrato consigo mesmo existia no sentido de evitar que o mandatário privilegiasse interesse próprio, faltando ao dever de boa-fé. A cautela que o mandante precisa ter é estabelecer, com precisão, todos os detalhes que deseja ver contemplados no negócio jurídico, por exemplo, preço, forma de pagamento e tudo que lhe convier, a fim de não vir a ter desagradáveis surpresas. E resguardado desta cautela, se assim desejar, pode, expressamente, consetir que o contrato seja celebrado com o próprio mandatário, eis, então, a procuração para celebrar consigo mesmo, em que o mandatário poderá figurar no outro polo do negócio jurídico como contratante. Logo, o elemento essencial para a procuração para celebrar negócio jurídico consigo mesmo é autorização legal ou consentimento do mandatário.

A procuração em causa própria “(in rem suam) é uma exceção à vedação do autocontrato. Sua utilização é extremamente comum para a celebração de contratos de compra e venda, com o fito de facilitar a transmissão da propriedade” (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2008, p. 351). Esta espécie de procuração permite que o mandatário transfira para si o bem que outrora pertencia ao mandante, na verdade se aproxima sobremaneira de um contrato de alienação, em que os contratantes, não podendo lavrar naquele momento a escritura, postergam a lavratura da escritura de compra e venda, e confere-se ao comprador o poder de representar o vendedor na lavratura da citada escritura. Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2008, p. 351), trata-se de uma procuração estabelecida do exclusivo interesse do mandatário. “O mandato em causa própria, portanto, implica verdadeira cessão de direitos ou alienação da propriedade” (LOUREIRO, 2012, p. 556). Esta procuração tem sua previsão no artigo 685 do Código Civil, segundo o qual “conferido o mandato com a cláusula "em causa própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato, obedecidas as formalidades legais.” Da leitura do artigo sobressaltam as características peculiares da procuração em causa própria. Importante ressaltar que, “quando tiver por objeto bem imóvel, o mandato em causa própria deve satisfazer os requisitos da escritura de compra e venda imobiliária” (LOUREIRO, 2012, p. 556). O elemento essencial desta espécie de procuração é a vontade de, em essência, estarem as partes a celebrar uma alienação, e isso precisa ficar claro, de preferência explícito, de modo a ficar cristalino que não se trata, propriamente, de uma simples procuração.

É possível dinamizar a circulação de riquezas utilizando-se de institutos jurídicos célebres e capazes de, respeitando a vontade das partes, ensejar negócios jurídicos válidos, como é o caso do contrato de mandato, instrumentalizado através de procuração. As duas espécies de procuração sobre as quais discorremos neste texto possuem característica bem peculiares, o que as torna, necessariamente, dignas de um estudo aguçado a fim de serem corretamente empregadas. A procuração para fazer contrato consigo mesmo foi um avanço do Direito Civil Brasileiro, que adveio com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, é, sem dúvida, uma confiança na boa-fé do mandatário, que poderá, por força desta procuração celebrar contrato em nome do mandante consigo mesmo. A procuração em causa própria, vimos que é muito mais uma alienação do que propriamente uma procuração. Logo, a vontade das partes deve ser dirigida neste sentido de firmar uma alienação que, quando falamos de bens imóveis, será formalizada por escritura em um momento diferido e tendo o comprador como procurador do alienante na lavratura da escritura de compra e venda.         

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm> Acesso em 14 jul. 2012.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito civil: parte geral. vol. I. São Paulo: Saraiva, 2006. 498 p.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito civil: contratos. vol. IV. tomo 2. São Paulo: Saraiva, 2008. 682 p.
 
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: Teoria e prática. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2012. 716 p.

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