Trataremos, hoje, de
duas espécies de procuração: a em causa
própria e a para celebrar negócio
consigo mesmo. Ambas encontram previsão em nosso ordenamento jurídico, e
servem, em grande medida, para dinamizar o contexto do fluxo econômico de bens
através de negócios jurídicos. Embora não sejam do conhecimento vulgar, são
úteis em uma série de situações do âmbito da circulação de riquezas. As citadas
procurações aplicam-se a situações particulares, a outorga de uma ou outra
depende do caso concreto e daquilo a que a vontade das partes se dirige. Ao
esclarecermos as características e os elementos essenciais de cada uma das
procurações, que aqui nos proporemos a mostrar, ficará mais fácil ao leitor
identificar a diferença entre elas e ajudará a aplicá-las a situações concretas
com segurança.
Em nossa sociedade
atual, economicamente muito complexa, em que centenas de negócios jurídicos cercam-nos,
por vezes haverá impossibilidade de uma das partes comparecerem pessoalmente às
tratativas ou mesmo à celebração de todos os negócios jurídicos do qual será
parte ao longo de sua vida. Neste contexto sobressalta a importância do
instituto da representação através de mandatários. O artigo 653 do Código Civil nos dá um conceito juridicamente
preciso: “Opera-se
o mandato quando alguém recebe de outrem poderes para, em seu nome, praticar
atos ou administrar interesses. A procuração é o instrumento do mandato.” “Destarte, a procuração é o escrito que contém os
poderes outorgados pelo mandante ao mandatário” (LOUREIRO, 2012, p. 545)
Enumeramos como principais características do contrato de mandato: o sinalagma
e o intuito personae; e acrescentamos
que ele pode ser oneroso ou gratuito. Quanto à forma, o Código Civil em seu artigo 657 dispõe que “a outorga de mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado.” Desta
forma, Loureiro (2012, p. 547) conclui que, se o ato-fim deve observar a forma
de escritura pública, haverá obrigatoriedade de que a procuração seja pública.
O contrato de mandato precisa cumprir os requisitos gerais de validade: agente
capaz e consentimento; forma; objeto lícito, possível, determinado ou
determinável. Essas são as linhas gerais do contrato de mandato, não desceremos
às minúcias dada a necessidade de aprofundarmos aqui o estudo de duas espécies
de procuração.
A procuração para celebrar contrato consigo
mesmo não era acolhida pelo
Código Civil de 1916, mas o Código Civil de 2002 prevê expressamente essa
espécie de procuração no artigo 117 segundo o qual “salvo se o permitir a lei ou o representado, é anulável o negócio
jurídico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar
consigo mesmo.” Ou seja, desde que a
lei permita ou o representado consinta, o representante poderá cumprir as
disposições do mandato celebrando contrato consigo mesmo. Segundo Gagliano e
Pamplona Filho (2006, p. 341), mesmo antes da entrada em vigor do Código Civil
de 2002, o autocontrato já era aceito pela jurisprudência nacional. A característica própria desta espécie de
procuração é o fato de que o mandatário, seguindo fielmente as instruções do
mandante para a realização do negócio jurídico, poderá figurar no outro polo do
negócio jurídico. Nas palavras de Loureiro (2012, p. 549), a anterior
vedação ao contrato consigo mesmo existia no sentido de evitar que o mandatário
privilegiasse interesse próprio, faltando ao dever de boa-fé. A cautela que o
mandante precisa ter é estabelecer, com precisão, todos os detalhes que deseja
ver contemplados no negócio jurídico, por exemplo, preço, forma de pagamento e
tudo que lhe convier, a fim de não vir a ter desagradáveis surpresas. E
resguardado desta cautela, se assim desejar, pode, expressamente, consetir que
o contrato seja celebrado com o próprio mandatário, eis, então, a procuração
para celebrar consigo mesmo, em que o mandatário poderá figurar no outro polo
do negócio jurídico como contratante. Logo, o elemento essencial para a
procuração para celebrar negócio jurídico consigo mesmo é autorização legal ou
consentimento do mandatário.
A procuração em causa própria “(in
rem suam) é uma exceção à vedação do autocontrato. Sua utilização é
extremamente comum para a celebração de contratos de compra e venda, com o fito
de facilitar a transmissão da propriedade” (GAGLIANO E PAMPLONA FILHO, 2008, p.
351). Esta espécie de procuração permite que o mandatário transfira para si o
bem que outrora pertencia ao mandante, na verdade se aproxima sobremaneira de
um contrato de alienação, em que os contratantes, não podendo lavrar naquele
momento a escritura, postergam a lavratura da escritura de compra e venda, e
confere-se ao comprador o poder de representar o vendedor na lavratura da
citada escritura. Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2008, p. 351), trata-se de
uma procuração estabelecida do exclusivo interesse do mandatário. “O mandato em
causa própria, portanto, implica verdadeira cessão de direitos ou alienação da
propriedade” (LOUREIRO, 2012, p. 556). Esta
procuração tem sua previsão no artigo 685 do Código Civil, segundo o qual “conferido o mandato com a cláusula "em causa
própria", a sua revogação não terá eficácia, nem se extinguirá pela morte
de qualquer das partes, ficando o mandatário dispensado de prestar contas, e
podendo transferir para si os bens móveis ou imóveis objeto do mandato,
obedecidas as formalidades legais.” Da leitura do artigo sobressaltam as
características peculiares da procuração em causa própria. Importante ressaltar
que, “quando tiver por objeto bem imóvel, o mandato em causa própria deve
satisfazer os requisitos da escritura de compra e venda imobiliária” (LOUREIRO,
2012, p. 556). O elemento essencial desta espécie de procuração é a
vontade de, em essência, estarem as partes a celebrar uma alienação, e isso
precisa ficar claro, de preferência explícito, de modo a ficar cristalino que
não se trata, propriamente, de uma simples procuração.
É possível dinamizar
a circulação de riquezas utilizando-se de institutos jurídicos célebres e capazes
de, respeitando a vontade das partes, ensejar negócios jurídicos válidos, como
é o caso do contrato de mandato, instrumentalizado através de procuração. As
duas espécies de procuração sobre as quais discorremos neste texto possuem
característica bem peculiares, o que as torna, necessariamente, dignas de um
estudo aguçado a fim de serem corretamente empregadas. A procuração para fazer
contrato consigo mesmo foi um avanço do Direito Civil Brasileiro, que adveio
com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, é, sem dúvida, uma confiança na
boa-fé do mandatário, que poderá, por força desta procuração celebrar contrato
em nome do mandante consigo mesmo. A procuração em causa própria, vimos que é
muito mais uma alienação do que propriamente uma procuração. Logo, a vontade
das partes deve ser dirigida neste sentido de firmar uma alienação que, quando
falamos de bens imóveis, será formalizada por escritura em um momento diferido
e tendo o comprador como procurador do alienante na lavratura da escritura de compra
e venda.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de
2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>
Acesso em 14 jul. 2012.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO,
Rodolfo. Novo Curso de Direito civil:
parte geral. vol. I. São Paulo: Saraiva, 2006. 498 p.
GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO,
Rodolfo. Novo Curso de Direito civil:
contratos. vol. IV. tomo 2. São Paulo: Saraiva, 2008. 682 p.
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