Foi
publicado no Diário da Justiça do Estado do Piauí nº 7.211 (disponibilização
06/02/2013) um acórdão cuja matéria discutida interessa ao nosso blog.
Para não
ficar muito cansativo, visto que o acórdão é longo, deixaremos aqui o
precedente para leitura de todos, e na sequência volto com debate sobre a
matéria discutida no julgamento.
Peço
que tenham atenção especial aos trechos que destacamos.
Segue
o acórdão na íntegra:
Tribunal de Justiça do Piauí
3ª Câmara Especializada
Cível
Apelação Cível nº
2011.0001.003155-9
Origem: 7ª Vara Cível da
Comarca de Teresina
Relator: Desembargador
Francisco Paes Landim
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. MATÉRIA DE ORDEM
PÚBLICA. COGNOSCÍVEL DE OFÍCIO PELO JULGADOR. RELAÇÃO DE DIREITO MATERIAL
ESTABELECIDA ENTRE A CONSTRUTORA E A ADQUIRENTE DO IMÓVEL. ADEQUAÇÃO ENTRE O
SUJEITO E A CAUSA.
A CONSTRUTORA É PARTE LEGÍTIMA PARA LIBERAR
O GRAVAME HIPOTECÁRIO QUE RECAIA SOBRE O IMÓVEL. PAGAMENTO DASPARCELAS DO
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE BEM IMÓVEL PELA ADQUIRENTE. DEMORA NA LIBERAÇÃO
DO ÔNUS HIPOTECÁRIO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. ATO ILÍCITO QUE DEVE SER REPARADO.
CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO.
1. A ilegitimidade ad causam é matéria de ordem
pública, aferível de ofício, conforme art. 301, § 4º, do CPC, razão pela
qual, em relação a essa condição da ação, da mesma forma como sucede quanto às
outras, não se opera a preclusão:
Art.301. Compete-lhe, porém, antes de
discutir o mérito, alegar:
(...)
X-carência de ação;
(…)
§4º Com exceção do compromisso
arbitral, o juiz conhecerá de ofício da matéria enumerada neste artigo.
2. Desse modo, ainda que não suscitada
a matéria pela parte litigante, em preliminar de contestação, pode sê-lo em
sede recursal, depois de proferida a sentença, pois o magistrado pode
reconhecê-la de ofício, ainda que um segundo grau de jurisdição.
3. Ressalte-se que o conhecimento do
tema de ofício não é apenas “enquanto não proferida sentença de mérito” em
primeiro grau, pois se estende até o julgamento do recurso ordinário interposto
(conforme RSTJ 89/193), isto é, “a sentença de mérito proferida em primeiro
grau não impede que o Tribunal conheça dessas matérias (as do art. 267, IV, V e
VI) ainda que ventiladas apenas em fase de recurso, ou mesmo de ofício (RSTJ
89/193)” (V. Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e Legislação
Processual em Vigor, 1999, art. 267, nota 54a, p. 323).
4. Assim, o fato de a matéria acerca
da ilegitimidade passiva da parte só ter sido levantado em segundo grau, não
impede sua apreciação, que se impõe de ofício pelo julgador, não ocorrendo,
portanto, a preclusão acerca da matéria.
5. A legitimidade ad causam pode ser conceituada “(…)
como relação de legítima adequação entre o sujeito e a causa.”, a qual
autoriza “que o sujeito figure como parte no processo como um todo, com aptidão
para realizar os atos inerentes a ele.”
(Cândido Rangel Dinamarco,
Instituições de Direito Processual Civil, vol. II, 2009, pp. 313 e 314, nº
545).
6. Porque a legitimidade ad causam corresponde
à “relação de legítima adequação entre o sujeito e a causa.”, Cândido
Rangel Dinamarco registra que referida condição da ação é atinente “a
determinado conflito trazido ao exame do juiz.” (Instituições de Direito
Processual Civil, vol. II, 2009, p. 313, nº 545).
7. Portanto, é um atributo aferível
apenas em concreto, por se tratar de uma condição da ação “transitiva, relacional”,
que se encontra “ligada a uma determinada situação” (Leo Rosenberg,
Tratado de derecho procesal civil, tomo I, 1955, p. 225, apud Fredie
Didier Jr., Pressupostos Processuais e Condições da Ação, 2010, p. 230, nº
8.1).
8. Daí afirmar-se que a legitimidade ad
causam “aférese diante do objeto litigioso, a relação jurídica substancial
[rectius: material] deduzida (…)” (Fredie Didier Jr., Pressupostos Processuais e Condições da Ação,
2010, p. 230, nº 8.1). Essa máxima doutrinária leva Araken de Assis à conclusão
de que “toda legitimidade baseia-se em regras de direito material” (Substituição
processual, em Revista Dialética de Direito Processual, 2003, nº 9, p. 10, apud
Fredie Didier Jr., ob. cit., p. 230, nº 8.1).
9. Embora essa associação entre
direito material e legitimidade ad causam tenha aplicabilidade restrita ao
campo da legitimação ordinária, como adverte Daniel Neves, é certo que, em
doutrina, “tradicionalmente
se afirma que serão legitimados ao processo os sujeitos descritos como
titulares da relação jurídica de direito material deduzida pelo demandante”
(Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil, 2012, p.
98, nº 3.2.4).
10. Assim, na medida em que o presente
processo tem por objeto relação de direito material estabelecida entre a
Construtora Apelante e a Apelada, é evidente a legitimidade ad causam passiva
daquela, uma vez constatada, na precisa terminologia de Cândido Rangel Dinamarco,
“relação de legítima adequação entre o sujeito e a causa” (Instituições
de Direito Processual Civil, vol. II, 2009, p. 313, nº 545).
11. Ainda que a hipoteca tenha sido constituída em favor do
Banco Bradesco, segundo Réu, que participou do empreendimento na qualidade de
agente financeiro, e a Construtora, primeira Ré e ora Apelante, promitente
vendedora do imóvel em litígio, não possa, por si só, desconstituir a hipoteca
referente ao imóvel, não há como impor referida obrigação, unicamente, contra o
agente financeiro, como pretende a Apelante, tratando-se, pois, de hipótese de
litisconsórcio passivo necessário. (Precedente do TJMG)
12. É inegável a legitimidade passiva ad
causam da Construtora, na medida em que figura na relação de direito material
posta em juízo, e, além disso, é parte legítima para liberar o ônus hipotecário
que recaia sobre o imóvel.
13. O STJ, em junho de 2010, editou o
Informativo de Jurisprudência nº 0438, segundo o qual, após o pagamento das
parcelas do contrato de compra e venda de bem imóvel, pelo adquirente, a demora
na liberação do gravame hipotecário, pelo Incorporador, gera a indenização por
danos morais.
14. Para o Superior Tribunal de Justiça, a demora na liberação do
ônus hipotecário, pelo Incorporador, não se trata de mero descumprimento
contratual, como alega a Apelante, mas de ato ilícito que deve ser reparado.
(STJ, REsp 966416/RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em
08/06/2010, DJe 01/07/2010)
15. Desnecessária a prova de maiores
abalos experimentados pela autora, no caso concreto, além dos decorrentes da
prestação defeituosa do serviço, que por si só justificam o dever de indenizar,
inclusive em danos morais.
16. Na indenização por dano moral, a correção
monetária incidirá a partir do julgamento de 1º grau (Súmula 362, do STJ), com
os juros de mora contados a partir da citação válida, já que se trata de
relação contratual, conforme art. 405 do Código Civil.
17. Apelação Cível conhecida e
improvida.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os
presentes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os componentes da
Egrégia 3ª Câmara Especializada Cível, do Tribunal de Justiça do Estado, por
votação unânime, em conhecer da Apelação Cível e lhe negar provimento para
manter a sentença apelada em todos os seus termos.
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