sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Comodatário que se nega a devolver imóvel - devido é o pagamento de aluguel pena a partir da constituição em mora.


Nos termos do artigo 579 do Código Civil, “o comodato é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.” O contrato de comodato pode ter como objeto um bem imóvel, por exemplo. Ao fim do prazo estipulado o comodatário deve devolver a coisa, e se ele nega-se a fazê-lo, consoante a segunda parte do artigo 582 do Código Civil, “o comodatário constituído em mora, além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for arbitrado pelo comodante.” Ou seja, o comodante deve notificar o comodatário, constituindo-o em mora, e nesta notificação já deve estipular um valor a título de aluguel, sem que isso signifique transmudar o tipo de contrato para um contrato de aluguel, continuará a existir um contrato de comodato em que o comodatário está em mora. Sobre o valor deste aluguel e sua natureza trazemos o precedente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, publicado em 26 de setembro de 2012:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMODATO. MORA DO COMODATÁRIO EM RESTITUIR O IMÓVEL EMPRESTADO. FIXAÇÃO UNILATERAL DE ALUGUEL PELO COMODANTE. POSSIBILIDADE DESDE QUE NÃO OCORRA ABUSO DE DIREITO. REVISÃO DA SUCUMBÊNCIA. PREJUDICADO O PEDIDO RELATIVO À COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (SÚMULA 306/STJ).

1. Constituído em mora o comodatário para a restituição do imóvel emprestado, fica ele obrigado ao pagamento de aluguel arbitrado unilateralmente pelo comodante.

2. O arbitramento, embora não deva respeito à média do mercado locativo, deve ser feito com razoabilidade, respeitando o princípio da boa-fé objetiva, para evitar a ocorrência de abuso de direito e do enriquecimento sem causa do comodante.

3. Razoável o arbitramento do aluguel pelo comodante em valor inferior ao dobro da média do mercado locativo.

4. Com o acolhimento integral da pretensão da parte autora, prejudicados os pedidos de revisão da sucumbência e de compensação da verba honorária (Súmula 306/STJ).

5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

(REsp 1175848/PR, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe 26/09/2012)

Lendo o voto do relator do REsp 1175848/PR, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, encontramos valiosa fundamentação doutrinária acerca do aluguel estipulado pelo comodante, previsto na segunda parte do artigo 582 do Código Civil, cumpre-nos enriquecer o debate com as citações do relator:

“Com a devida vênia, porém, tenho que a natureza prevalente desse instituto é de uma autêntica pena privada, tendo por objetivo central coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo legal.

Em sede doutrinária, tive oportunidade de sustentar essa opinião na obra "Contratos Nominados II" (São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 288):

O comodante poderá ainda, para compelir o comodatário a restituir a coisa mais rapidamente, arbitrar um aluguel-pena.

A regra da 2.ª parte do art. 582 do CC⁄2002 aperfeiçoou a norma do art. 1.252 do CC⁄1916, deixando claro que o arbitramento do aluguel é uma faculdade do comodante.

O montante arbitrado poderá ser superior ao valor de mercado do aluguel locatício, pois a sua finalidade não é transmudar o comodato em locação, mas coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada.

Entretanto, se esse arbitramento ocorrer em valor exagerado, poderá ser objeto de controle judicial, podendo-se aplicar, analogicamente, a regra do parágrafo único do art. 575 do CC⁄2002, que, no aluguel-pena fixado pelo locador, confere ao juiz a faculdade de redução quando o valor arbitrado se mostre manifestamente excessivo ou abusivo (Miguel Reale, Visão geral do Código Civil, p. XVI).

O grande cuidado que deve ter o juiz, no controle judicial do aluguel arbitrado pelo comodante, é atentar para a sua natureza penal. Assim, esse aluguel-pena não deve respeito ao preço de mercado.

Nesse controle, merece lembrança a doutrina que, interpretando o art. 1.196 do CC⁄1916 (atual art. 575 do CC⁄2002), já recomendava que, mantida a natureza penal do aluguel, o novo montante não deveria ultrapassar o dobro do seu valor de mercado (Sylvio Capanema de Souza, p. 84).

Essa lição tem plena aplicação ao aluguel-pena do comodato, que não deve ultrapassar o dobro do preço de mercado dos locativos correspondentes ao imóvel emprestado.

O arbitramento do aluguel-pena será feito pelo comodante na notificação dirigida ao comodatário para entrega da coisa emprestada ou para desocupação do imóvel. Preferencialmente, esse arbitramento deve ser efetuado através de notificação judicial. Poderá, entretanto, ser feito também através de notificação extrajudicial.”
GRIFOS ACRESCIDOS

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