Nos termos
do artigo 579 do Código Civil, “o comodato é o empréstimo gratuito de coisas
não fungíveis. Perfaz-se com a tradição do objeto.” O contrato de comodato pode
ter como objeto um bem imóvel, por exemplo. Ao fim do prazo estipulado o
comodatário deve devolver a coisa, e se ele nega-se a fazê-lo, consoante a
segunda parte do artigo 582 do Código Civil,
“o comodatário constituído em mora,
além de por ela responder, pagará, até restituí-la, o aluguel da coisa que for
arbitrado pelo comodante.” Ou seja, o comodante deve notificar o comodatário,
constituindo-o em mora, e nesta notificação já deve estipular um valor a título
de aluguel, sem que isso signifique transmudar o tipo de contrato para um
contrato de aluguel, continuará a existir um contrato de comodato em que o
comodatário está em mora. Sobre o valor deste aluguel e sua natureza trazemos o
precedente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, publicado em 26
de setembro de 2012:
RECURSO
ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. COMODATO. MORA DO COMODATÁRIO EM
RESTITUIR O IMÓVEL EMPRESTADO. FIXAÇÃO UNILATERAL DE ALUGUEL PELO COMODANTE.
POSSIBILIDADE DESDE QUE NÃO OCORRA ABUSO DE DIREITO. REVISÃO DA SUCUMBÊNCIA.
PREJUDICADO O PEDIDO RELATIVO À COMPENSAÇÃO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS (SÚMULA
306/STJ).
1. Constituído
em mora o comodatário para a restituição do imóvel emprestado, fica ele obrigado ao pagamento de
aluguel arbitrado
unilateralmente pelo comodante.
2. O
arbitramento, embora não deva
respeito à média do mercado locativo, deve ser feito com razoabilidade, respeitando o
princípio da boa-fé objetiva,
para evitar a ocorrência de abuso de direito e do enriquecimento sem causa do
comodante.
3. Razoável o arbitramento do aluguel
pelo comodante em valor inferior ao dobro da média do mercado locativo.
4. Com o
acolhimento integral da pretensão da parte autora, prejudicados os pedidos de
revisão da sucumbência e de compensação da verba honorária (Súmula 306/STJ).
5. RECURSO
ESPECIAL PROVIDO.
(REsp 1175848/PR, Rel. Ministro
PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/09/2012, DJe
26/09/2012)
Lendo o
voto do relator do REsp 1175848/PR, Ministro Paulo de Tarso Sanseverino,
encontramos valiosa fundamentação doutrinária acerca do aluguel estipulado pelo
comodante, previsto na segunda parte do artigo 582 do Código Civil, cumpre-nos
enriquecer o debate com as citações do relator:
“Com a devida vênia, porém, tenho que a natureza prevalente
desse instituto é de uma autêntica
pena privada,
tendo por objetivo central coagir o comodatário a restituir o mais rapidamente
possível a coisa emprestada, que indevidamente não foi devolvida no prazo
legal.
Em sede doutrinária, tive oportunidade de sustentar
essa opinião na obra "Contratos Nominados II" (São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, p. 288):
O comodante poderá ainda, para compelir o
comodatário a restituir a coisa mais rapidamente, arbitrar um aluguel-pena.
A regra da 2.ª parte do art. 582 do CC⁄2002
aperfeiçoou a norma do art. 1.252 do CC⁄1916, deixando claro que o arbitramento do aluguel é uma
faculdade do comodante.
O montante arbitrado poderá ser superior ao valor de mercado do aluguel
locatício, pois a sua finalidade não é transmudar o comodato em locação, mas coagir o comodatário a
restituir o mais rapidamente possível a coisa emprestada.
Entretanto, se esse arbitramento ocorrer em valor
exagerado, poderá ser objeto de controle judicial, podendo-se aplicar, analogicamente, a regra do
parágrafo único do art. 575 do CC⁄2002, que, no aluguel-pena fixado pelo
locador, confere ao juiz a faculdade de redução quando o valor arbitrado se
mostre manifestamente excessivo ou abusivo (Miguel Reale, Visão geral do Código
Civil, p. XVI).
O grande cuidado que deve ter o juiz, no controle
judicial do aluguel arbitrado pelo comodante, é atentar para a sua natureza penal. Assim, esse aluguel-pena não deve respeito ao
preço de mercado.
Nesse controle, merece lembrança a doutrina que,
interpretando o art. 1.196 do CC⁄1916 (atual art. 575 do CC⁄2002), já recomendava que, mantida a natureza
penal do aluguel, o novo montante não deveria ultrapassar o dobro do seu valor
de mercado (Sylvio Capanema de Souza, p. 84).
Essa lição tem plena aplicação ao aluguel-pena do
comodato, que não deve ultrapassar o dobro do preço de mercado dos locativos
correspondentes ao imóvel emprestado.
O arbitramento do aluguel-pena será feito pelo
comodante na notificação dirigida ao comodatário para entrega da coisa
emprestada ou para desocupação do imóvel. Preferencialmente, esse arbitramento
deve ser efetuado através de notificação judicial. Poderá, entretanto, ser
feito também através de notificação extrajudicial.”
GRIFOS ACRESCIDOS
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