quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Venda de imóvel com cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade.


Quem possui um imóvel clausulado somente como impenhorável e incomunicável pode vendê-lo, independente de autorização judicial, e as cláusulas não devem acompanhar o imóvel, porque a razão de ser delas eram a proteção dos compradores.  

Recentemente, fomos contratados a formular requerimento a Registro de Imóveis para cancelamento de cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, quando da venda do imóvel.

Os nomes das partes foram mudados para mantermos o precioso sigilo profissional, mas a fundamentação do requerimento segue abaixo:

Os senhores Tício, Caio e Cairo, acima qualificados, receberam por herança, cada um deles, a fração ideal de 1/9 (um nono) da parte inferior (térreo) do imóvel situado à Avenida de Passagem, nº 0000, em Cidade – Estado, cada uma das frações ideais de 1/9 (um nono) foi recebida com as cláusulas restritivas de impenhorabilidade e incomunicabilidade. A impenhorabilidade significa que o bem não poderá ser alcançado pelos credores através da constrição Judicial da penhora, ou seja, aquele bem não responderá em Execução Judicial pelas dívidas de seu proprietário. A incomunicabilidade impõe que aquele determinado bem não se comunicará ao cônjuge, independentemente do regime de bens da sociedade conjugal. As citadas limitações impostas no presente caso não possuem o condão de impedir a alienação dos bens, visto que para tanto o bem teria sido gravado com cláusula de inalienabilidade, o que não ocorreu.

As limitações ao direito e propriedade, também chamadas de restrições ao direito de propriedade, de que são espécies a incomunicabilidade e a impenhorabilidade, quando decorrem de ato voluntário, só podem ser constituídas em decorrência de ato de liberalidade como a doação e testamento; ambos os institutos jurídicos foram pensados no intuito de proteger aquele que receberá o bem, seja por doação, seja por disposição testamentária.

Impossível estabelecer incomunicabilidade e impenhorabilidade em atos onerosos. De maneira transversa, estas restrições retiram os bens que com elas foram gravados do alcance econômico dos credores. No sentido de restringir cada vez mais a imposição dessas cláusulas restritivas em disposições testamentárias é que o Código Civil de 2002, no artigo 1.848, estabeleceu a inovação legal segundo a “Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.”

Não constituindo óbices à alienação as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade e não sendo possível estabelecê-las, ou mesmo perpetuá-las, voluntariamente em atos de alienação onerosa, temos que se impõe reconhecer que uma vez formalizada nos termos legais a compra e venda do bem imóvel, resta “ad cautelam” cancelar a averbação (AV-0-00.000) que grava de incomunicabilidade e impenhorabilidade os registros       (R-0-00.000, R-0-00.000 e R-0-00.000)referindo-se ditos registro a três frações ideais, de 1/9 (um nono) cada fração, da parte inferior (térreo) do imóvel situado à Avenida de Passagem, nº 0000, em Cidade – Estado, outrora registrado sob matrícula 00.000, livro 2-Y-X, fls. 000, hoje registrado sob matrícula 00.000, ficha 00, livro 2 no Cartório do 0º Ofício de Notas e Registro de Imóveis, Títulos e Documentos da 0ª Circunscrição de Cidade – Estado, nos termos do artigo 250, III, da Lei de Registros Públicos, exatamente por força da alienação onerosa (compra e venda) do supracitado bem imóvel.

No exato sentido do que demonstramos acima transcrevemos precedentes judiciais, os quais na íntegra seguem em anexo o presente requerimento:

“Mostra-se oportuna, quanto ao tema, referência às razões que fundamentaram decisão do MM. Juízo da Primeira Vara de Registros Públicos da Comarca da Capital, de 03.02.99, relativa ao Proc. 000.98.021177-8, publicada na Revista de Direito Imobiliário 49/332, firmes no sentido de que 'cláusulas restritivas constituem ônus que só se estabelecem em relação a terceiros, ou seja, donatários, herdeiros e legatários, pois o sistema jurídico não possibilita, não permite, vincular os próprios bens, a exceção do bem de família'” (Apelação Cível nº 81.249-0/9. Tribunal de Justiça de São Paulo, data do julgamento: 20.12.2001)

 

“Verdade que as cláusulas de incomunicabilidade e impenhorabilidade não impedem a alienação do bem imóvel sobre as quais incidam. Nossos Tribunais vem entendendo que tais cláusulas não implicam em inalienabilidade, sendo, portanto, em tese, possível a alienação de bens gravados com estas cláusulas restritivas sem expressa autorização judicial.” (Apelação Cível nº 21.177-8/99. Tribunal de Justiça de São Paulo, data do julgamento: 03.02.1999)

 

“APELAÇÃO CÍVEL - PROCEDIMENTO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA - IMÓVEL HAVIDO POR DOAÇÃO - CLÁUSULAS DE INCOMUNICABILIDADE E IMPENHORABILIDADE - PEDIDO DE CANCELAMENTO DOS GRAVAMES - POSSIBILIDADE – SETENÇA REFORMADA. - Extrai-se da Escritura Pública de Doação que os imóveis foram gravados unicamente com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade, nada mencionando sobre a inalienabilidade dos bens. - Se a intenção dos doadores fosse manter o bem na propriedade das donatárias, teria inserido também a cláusula de inalienabilidade no registro dos imóveis, o que não ocorreu na hipótese. – Nesse contexto, tem-se que os imóveis gravados somente com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade podem ser livremente alienados.” (TJMG - Apelação Cível nº 1.0024.09.758981-6/001(1) - 15ª Câmara Cível - Relator DES. TIBÚRCIO MARQUES - Data da Publicação: 15/09/2011).
    


Cumpre ainda juntar a resposta do Colégio Registral de Rio Grande do Sul, publicada em 24/03/2011, a uma consulta acerca do tema ora debatido: (Disponível em no site: http://www.colegioregistralrs.org.br/associado_perguntaeresposta_resposta.asp?codArea=5&codPerg=1019. Acesso em 25/04/2012).

Publicada em 24/03/2011
Prezado Associado

Respondemos seu questionamento reportando-nos à resposta ofertada pelo IRIB a questão semelhante conforme abaixo:

VENDA DE IMÓVEL COM CLÁUSULAS DE INCOMUNICABILIDADE E DE IMPENHORABILIDADE

P. Pode ser vendido um imóvel gravado com as cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade sem o cancelamento prévio dessas cláusulas?

R. A resposta é afirmativa. O proprietário de um imóvel gravado tão-somente com as cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade pode vendê-lo, sem necessidade do cancelamento prévio de tais cláusulas.

Essas duas cláusulas têm interpretação restritiva. Não importam na de inalienabilidade e, tampouco, a toda evidência, impedem a alienação ou a transmissão, a outra pessoa, do imóvel de sua propriedade.

Se o doador ou o testador (pois tais cláusulas só podem ser impostas nos atos de doação ou em testamento) quisesse impedir a alienação ou a transmissão do imóvel, teria imposto a cláusula de inalienabilidade. Se impôs apenas as cláusulas de incomunicabilidade e de impenhorabilidade, evidentemente, não quis restringir a faculdade de dispor do imóvel por parte donatário.

A cláusula de incomunicabilidade consiste em impedir que o imóvel doado ou testado integre a comunhão estabelecida com o casamento. "Não repercute, evidentemente, sobre a outra cláusula mais ampla. O titular do direito de propriedade de bem incomunicável nenhuma limitação sofre no poder de disposição" (Orlando Gomes, "Sucessões", n, 139).

A cláusula de impenhorabilidade objetiva, tão-somente, impedir que o imóvel doado ou legado venha a ser tomado por dúvidas contraídas pelo donatário. Não impede porém, que ele venha a ser alienado espontaneamente.

A alienação, portanto, de imóvel gravado com a cláusula de impenhorabilidade ou com a de incomunicabilidade é livre e não depende do cancelamento prévio de qualquer delas.

 

Se o Oficial do Registro de Imóveis, porém, entender que o cancelamento deva ser feito para, futuramente, não sobrepairar qualquer dúvida a respeito de tais cláusulas, poderá, após registrar a alienação do imóvel, proceder ao cancelamento das cláusulas, mediante averbação a requerimento do novo adquirente, em face da alienação efetuada (art. 250, III, da Lei dos Registros Públicos).

Essa averbação, entretanto, é dispensável, e feita apenas "ad cautelam", para futuras operações e para esclarecimento de leigos.

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